quarta-feira, 13 de julho de 2011

Garantia legal prevista no Código de Defesa do Consumidor

Artigo elaborado pelo Acadêmico Jonathan Samuel Janzen – 9º semestre – Direito. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, Campus de Campo Grande, na disciplina de Direito do Consumidor. Profª Patricia Mara da Silva

            1. INTRODUÇÃO

            O Código de Defesa do Consumidor, Lei Ordinária de nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, tem como finalidade, como o próprio nome indica, tutelar os direitos da parte mais frágil na relação de consumo, qual seja, o consumidor. Isso porque, não sendo imposto um limite ao poderio econômico do fornecedor, este assume muito facilmente um caráter dominador e explorador.
            Está em questão, observando-se sob a ótica constitucional, a aplicação do princípio da igualdade material, visto que, na defesa do consumidor, pretende-se restaurar o equilíbrio na relação de consumo, cercando-o com tal armadura legal que possa sustentar-se no mesmo plano do fornecedor, a despeito de toda a vantagem econômica que este detém.
            Assim, a proteção do consumidor é direito humano de nova geração, isto é, assegura normas de defesa a pessoa do consumidor, parte vulnerável na relação jurídica de consumo, sendo direito de igualdade material.
            E exatamente em consonância com a sobredita finalidade geral do CDC é que se encontra a garantia legal em favor do consumidor, nele prevista. Em termos simplificados, ela confere ao consumidor o direito de substituição ou ressarcimento em face de mercadoria ou serviço que contenha algum tipo de vício, ou mesmo a exigência de abatimento de preço.
            Pretende-se, assim, por meio deste breve estudo, delinear os contornos da garantia legal estabelecida na lei nº 8.078/90, dando enfoque à questão do vício oculto e do prazo decadencial fixado, e o debate que tem surgido quanto a esses pontos.

            2. DESENVOLVIMENTO
            2.1       Teoria do risco
           
            Como meio de promover a concretização da proteção do consumidor, o CDC atribuiu ao fornecedor a responsabilidade objetiva, segundo a qual o mesmo responde por eventuais perdas e danos advindos de vícios do produto ou serviço, independentemente de culpa. Outrossim, oferece o Código ao consumidor a garantia legal em face de produto e serviço que contenham vício.
            Assim, chega-se à teoria do risco, adotada pelo Código, que acoberta, de um lado, a garantia da adequação de um produto ou serviço - isto é, que seja o que diz ser, em quantidade e qualidade -, e de outro, assegura  a responsabilização do fornecedor por perda ou dano causado por aquilo que ele oferece. Isso porque se presume, mesmo que não haja culpa de sua parte, que o fornecedor assumiu os riscos de eventuais defeitos naquilo que oferece, por ser favorecido economicamente, tendo-se engajado em sua atividade consciente disso.
            O CDC fixa, ainda, a garantia contratual, que é convencionada pelas partes da relação. Esta não é compulsória, mas uma vez concedida pelo fornecedor, o obriga ao cumprimento, com o preenchimento de termo escrito, sendo, nos termos do art. 50, complementar à garantia legal.
            Por sua vez, como uma face da teoria do risco, a garantia legal não está adstrita a termo escrito e nem é facultativa. Antes, é expressamente consignada legalmente, deixando claro o artigo 24 a impossibilidade de exonerar-se dela o fornecedor por meio de cláusula contratual. Ou seja, é inegociável, irrestringível e irrenunciável.
            Assim, da teoria do risco exsurge a garantia legal, que protege o consumidor de ser ludibriado ao adquirir um produto ou utilizar um serviço, na medida em que o mesmo deve corresponder ao propagandeado, ao que a lei se refere como adequação.
           
            2.2       Vícios

            Um produto ou serviço adequado é aquele isento de vícios. Estes são defeitos inerentes ao próprio produto ou serviço oferecido, e não consequência dele. Podem ser, primeiramente, de qualidade ou quantidade, em que a falta destas o torne impróprio ou inadequado ao consumo a que se destina ou lhe diminua o valor; o segundo tipo que a lei descreve é a disparidade com a indicação constante do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária; e, por último, conteúdo líquido inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária.
            Tais são estabelecidos como vícios em virtude do direito elementar conferido ao consumidor de prévia informação sobre  o produto, bem como para balanceamento das obrigações das partes e para coibição da propaganda enganosa.
            Os vícios do serviço são basicamente os mesmos, com exceção daquele da quantidade. No entanto, na prática é mais complexo averiguar se houve de fato o vício ou não, pelo que mister se faz a produção e sustentação probatória caso a caso.
            O fato é que a garantia dada ao destinatário final pela própria lei se traduz na segurança de que ele receba o que lhe foi vendido, conforme a descrição do fornecedor e, caso isso não ocorra, que seja restituído o valor despendido, ou abatida parte dele, ou mesmo substituído o produto ou serviço por outro que em verdade corresponda ao avençado. Dessa forma, o CDC objetiva neutralizar a vulnerabilidade do consumidor, permitindo-lhe jamais ser obrigado a se contentar com algo menos do que aquilo que lhe foi apresentado.
            2.3       Prazos 
                       
            Assim dispõe o artigo 26 Código de Defesa do Consumidor:

“O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I - 30 (trinta) dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não duráveis;
                        II - 90 (noventa) dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis.

            A questão dos prazos reveste-se de grande importância e é um tanto quanto interessante. Por um lado, o consumidor tem prazo determinado para exercer seu direito de reclamação por vício no produto ou serviço. Por outro lado, uma vez efetuada a reclamação no prazo legal, o fornecedor também é obrigado a solucionar o problema em período específico de tempo que, em regra, é de trinta dias. A ênfase, entretanto, será dada nos prazo estabelecidos para o consumidor.
            Em se tratando de vícios aparentes ou de fácil constatação, o direito de reclamação caduca em trinta e noventa dias, respectivamente, para serviços e produtos não duráveis e duráveis. Os primeiros encontram-se em bem pouca variedade, estando entre eles refeições, alimentos e flores. Já os últimos perfazem a grande maioria, englobando quase todos os produtos e serviços, desde um serviço de carpintaria até uma rede internacional de telefonia, assim um isqueiro como um automóvel.
            Saliento, para clarificar o que eventualmente tenha permanecido obscuro, que não se está tratando de questionamento de danos causados pelo produto ou serviço ao seu destinatário final. Para isso, o prazo prescricional é de cinco anos, mediante o ingresso de ação de reparação de danos.  Aqui, no entanto, está em questão a reclamação pelos próprios vícios, nos termos da lei.
            A decadência, no entanto, é obstada em havendo reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca, segundo o §2º do artigo 26.
            Não se trata nem de suspensão nem de interrupção, uma vez que as mesmas não se coadunam com prazos decadenciais. Antes, uma vez que o prazo sequer iniciou, o óbice é do surgimento do dies a quo.
            Até aí a questão é relativamente simples. Discussões maiores surgem quando se adentra na consideração do vício oculto, que é aquele não aparente e de difícil constatação. O que ocorre se o vício é oculto e só se manifesta posteriormente ao término da garantia contratual?  
            Existem três posições doutrinárias quanto a este ponto. PAULO JORGE SCARTEZZINI GUIMARÃES entende que o Código Civil deve ser aplicado subsidiriamente, utilizando-se, assim, a previsão do prazo de 180 dias durante o qual o vício oculto pode se manifestar (art. 445, caput e §1º); defende ele que esse limite é bastante para “descoberta de qualquer falta de qualidade ou quantidade no produto”. PAULO LUIZ NETTO LÔBO, a seu turno, doutrina que o prazo da garantia legal deve corresponder ao prazo da garantia contratual conferido pelo fabricante, que “pressupõe a atribuição de vida útil pelo fornecedor que o lança no mercado e é o que melhor corresponde ao princípio da equivalência entre fornecedores e consumidores”. O último entendimento é de ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, que argumenta que a vida útil do produto deve ser o critério para definição do limite de tempo da garantia legal. Sustenta o professor, em suma, que o legislador evitou fixar “um prazo totalmente arbitrário para a garantia, abrangendo todo e qualquer produto”, prazo este que seria “pouco uniforme entre os incontáveis produtos oferecidos no mercado”.   
            A posição que denota maior relevância jurídica e social é a terceira, em face da própria realidade do mercado de consumo. Surge, então,a seguinte indagação: uma vez vindo à tona o defeito, sendo inicialmente vício oculto, até quando o consumidor terá a possibilidade de reclamar seu direito sobre a qualidade do serviço ou do produto?
            LEONARDO ROSCOE BESSA esclarece: “um dos maiores avanços concedidos pelo CDC em relação ao CC/1916 – nem sempre percebido pela doutrina – foi conferido pelo disposto no § 3º do art. 26 da Lei 8.078/90 ao se estabelecer, sem fixar previamente um limite temporal, que ‘tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito’. O dispositivo possibilita que a garantia legal se estenda, conforme o caso, a três, quatro ou cinco anos. Isso é possível porque não há, de propósito, disposição indicando o prazo máximo para aparecimento do vício oculto, a exemplo da disciplina do CC/2002 (§ 1º, art. 455)”
            A despeito da responsabilidade atribuída ao fornecedor de produto ou serviço, é preciso haver, e há, um termo final para reclamação, por parte do consumidor, dos vícios daqueles. É o que explica CLÁUDIA LIMA MARQUES: “se o vício é oculto, porque se manifesta somente com o uso, experimentação do produto ou porque se evidenciará muito tempo após a tradição, o limite temporal da garantia legal está em aberto, seu termo inicial, segundo o § 3º do art. 26 é a descoberta do vício. Somente a partir da descoberta do vício (talvez meses ou anos após o contrato) é que passarão a correr os 30 ou 90 dias. Será, então, a nova garantia eterna? Não, os bens de consumo possuem uma durabilidade determinada. É a chamada vida útil do produto. Se se trata de videocassete, sua vida útil seria de 8 anos aproximadamente (omissis)”.
            José Carlos Maldonado de Carvalho apresenta o fechamento: “Conclui-se, portanto, que diante de um vício oculto, o prazo decadencial para a reclamação, com base na garantia legal, tem seu termo inicial fixado no momento em que o defeito for pelo consumidor identificado, o que, “além de conferir ampla flexibilidade ao julgador, releva a importância de análise do caso concreto” (art. 26, § 3º, CDC)”.

            3. CONCLUSÃO

            O CDC adotou a teoria do risco, que atribui ao fornecedor a responsabilidade objetiva, ou seja, independentemente de culpa, em decorrência de dano ou perda causado por vício em produto ou serviço. A outra face dessa teoria foi justamente o objeto deste estudo, qual seja, a garantia legal, que se refere não à consequência do defeito, mas ao mesmo propriamente dito.
            A garantia legal reveste-se de extrema importância na defesa do consumidor, sendo este sempre considerado a parte vulnerável na relação de consumo; ela lhe confere o direito de reclamar a adequação do produto ou serviço que adquiriu, protegendo-o de eventuais vícios.
            Esse direito não lhe é dado ad eternum, antes existem prazo devidamente fixados para reclamação em face de produtos e serviços duráveis e não duráveis, sendo, respectivamente, de trinta e noventa dias a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços; isso se aplica ao deparar-se o destinatário final com vício de fácil constatação.
            Sendo, no entanto, oculto o vício, o termo inicial do prazo para reclamação é o momento em que o consumidor detecta o defeito, o que deve ocorrer dentro da chamada vida útil do produto.

            4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

            GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini, Vícios do Produto e do Serviço por Qualidade, Quantidade e Insegurança: incumprimento imperfeito do contrato, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, pág. 401.
            LÔBO, Paulo Luiz Netto, Responsabilidade por Vício do Produto ou do Serviço, Brasília-DF: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1996, pág. 106-108.
            BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e, Comentários ao Código de proteção do consumidor, São Paulo: Saraiva, 1991, pág. 134.
            BESSA, Leonardo Roscoe, Vícios dos produtos: paralelo entre o CDC e o Código Civil. Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002: convergências e assimetrias. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Biblioteca de Direito do Consumidor – v. 26. Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 293.
            CARVALHO, José Carlos Maldonado. Direito do Consumidor: fundamentos doutrinários e visão jurisprudencial. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 52.

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