segunda-feira, 29 de abril de 2013

PAINEL GERAL SOBRE O HISTÓRICO DA ATUAÇÃO DO MOVIMENTO CONSUMERISTA



Patricia Mara da Silva. Advogada,  professora, pós-graduada em Direito Administrativo com ênfase em gestão pública. Especialista em Direitos Difusos e Coletivos. Coordenadora da Associação Brasileira da Cidadania e do Consumidor do Estado de Mato Grosso do Sul.


Indubitavelmente o berço do movimento dos consumidores foram os Estados Unidos da América (EUA) devido aos aspectos econômicos imperantes naquele país. Importante ressaltar que não se quer dizer que não existiram movimentos em outros países, mas sim que a história consumerista vivida nos EUA influenciou todo o ocidente em matéria de defesa do consumidor.
Quanto à história do movimento de consumidores no Brasil se buscará tratar da criação das principais entidades de defesa do consumidor. Tal estudo será feito humildemente, em concordância com o entendimento do doutrinador Marcelo Soares Sodré que ressalte que este trabalho ainda não foi realizado com muita eficiência e sensibilidade:

         A história do movimento de defesa dos consumidores no Brasil é uma história a ser contada. Com o detalhe e especificidade que era de desejar, tal trabalho não foi ainda realizado. Isto já é significativo no sentido de comprovar a fragilidade teórica com que este assunto tem sido tratado.[1]

Por uma questão metodológica nesta pesquisa não se destacará o movimento consumerista em outros países da América Latina, pois apesar de sua relevância tem bases semelhantes às brasileiras.
Cumpre registrar o esforço do governo brasileiro pela construção de um sistema latino americano de defesa do consumidor conforme se verificou na obra Defesa do Consumidor na América Latina – Atlas Geopolítico.

1.1.1 Movimento de Consumidores nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos da América é que se pode situar as bases do movimento consumerista, nas palavras do doutrinador José Geraldo Brito Filomeno ao comentar o artigo 4° do Código de Proteção e Defesa do Consumidor na obra Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto:

         Não é por acaso, aliás, que o chamado “movimento consumerista”, tal qual nós o conhecemos hoje, nasceu e se desenvolveu a partir da segunda metade do século XIX, nos Estados Unidos, ao mesmo tempo que os movimentos sindicalistas lutavam por melhores condições de trabalho e do poder aquisitivo dos chamados “frigoríficos de Chicago”.[2] 

Em 1872 foi editada a primeira lei norte-americana de proteção ao consumidor, que tinha como finalidade tachar os atos fraudulentos do comércio.[3]
Já em 1890, diante de um clima de agitações sociais por causa do descontentamento do povo americano face à extrema liberdade das corporações, foi editada a lei antitruste, conhecida como Lei Shermann, primeira lei dos Estados Unidos da América de combate ao monopólio de empresas que objetivavam dominar todas as etapas de produção de bens, controlando preços, praticando o truste[4].
Sobre o assunto, destacamos o fato da Lei Shermann ter sido editada exatamente cem anos antes do Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor, como observa o doutrinador Rizzatto Nunes:

         Anote-se essa observação: nos Estados Unidos, que hodiernamente é o país que domina o planeta do ponto de vista do capitalismo contemporâneo, que capitaneia o controle econômico mundial (cujo modelo de controle tem agora o nome de globalização), a proteção ao consumidor havia começado em 1890 com a Lei Shermann, que é a lei antitruste americana. Isto é, exatamente um século antes do nosso CDC, numa sociedade que se construía como sociedade capitalista de massa, já existia uma lei de proteção ao consumidor.[5]

No ano seguinte, 1891, foi criada a primeira entidade civil de que se tem registro, a New York Consumer’s League, que marcou a união entre os interesses dos trabalhadores e consumidores, conforme ensina o doutrinador José Geraldo Brito Filomeno: “Entretanto, embora coevos, os movimento trabalhista e consumerista acabaram por cindir-se, mais precisamente pela criação da Consumer’s League, em 1891[...].”[6]
Vale ressaltar que o movimento consumerista lutou inicialmente por temas específicos de Direitos Humanos, no dizer do doutrinador Hélio Zaghetto Gama, “teve origem nas lutas dos grupos sociais contra as discriminações de raça, sexo, idade e profissões vividas no final do século XIX e no início do século XX.”[7]
Pode-se perceber a clara vinculação entre a luta dos trabalhadores e os direitos dos consumidores, isto porque os representantes dos trabalhadores perceberam que a melhor pressão aos patrões seria aquela que mexesse com os seus lucros.
Sobre estes primeiros movimentos consumeristas sabe-se que organizavam boicotes às empresas que desrespeitavam direitos de trabalhadores e de consumidores, conforme o do Guia de Mobilização para o Consumidor-Cidadão publicado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) em 2006:

         Campanhas e Boicotes são importantes instrumentos de mobilização social, e o movimento consumerista está repleto de exemplos que comprovam sua eficácia. O próprio movimento inicia-se com uma campanha na qual o boicote era um dos elementos. Para protestar contra as más condições de trabalho nos Estados Unidos no fim do século XIX, os consumidores norte-americanos elaboravam listas que continham os nomes das empresas que respeitavam os direitos trabalhistas e pregavam o boicote àquelas que não faziam parte da lista. Deu certo![8]

Já no século XX, a pressão ao mercado norte americano não parou nos sindicatos de trabalhadores, pois as entidades civis e também os próprios Conselhos Profissionais, percebendo a possibilidade de vantagens econômicas, passaram a lutar pela edição de normas e regulamentos pelo Estado, visando o melhoramento dos produtos e serviços.
Destaca-se que visando proteger a concorrência o governo norte-americano criou em 1914 um órgão público para a promoção de defesa da concorrência a Federal Trade Commission.
Após a segunda guerra mundial, a defesa do consumidor se ampliou mais ainda com o surgimento de movimentos ativistas em vários países, conforme o ensinamento de Hélio Zaghetto Gama:

         No pós-guerra de 1945 e 1947, os movimentos de defesa do consumidor espalharam-se pelo Canadá e pela Europa. Organizações ativistas foram criadas na Dinamarca (“Conselho do Consumidor”), na Inglaterra, na Alemanha, na França, na Bélgica e na Áustria. No final da década de 50 organizações foram criadas na Austrália e no Japão.[9] 


O movimento consumerista ganhou forte apelo público na década de 1960 nos Estados Unidos, graças, por exemplo, à atuação do advogado Ralf Nader, que desafiou a indústria automobilística americana ao comprovar que os fabricantes de veículos não se preocupavam com a segurança do consumidor e que preferiam pagar indenizações para os poucos consumidores que ajuizavam ações judiciais. Com isto Ralf provocou a realização do primeiro recall da história. Sobre isto escreveu o especialista em Direito do Consumidor Vitor Vilela Guglinski. in verbis:

Merece especial referência a figura de Ralph Nader, jovem advogado americano responsável pelo primeiro recall de que se tem notícia, e pela quebra do paradigma de indenizações tarifadas no direito norte - americano. A história jurídica dos EUA dá conta de que aquele causídico ajuizou uma ação contra a fabricante de automóveis Ford após um defeito de fabricação em um de seus automóveis, o qual apresentava defeito em seu sistema elétrico, provocando a produção de fagulha num dos fios que conduzia eletricidade ao farol traseiro do veículo, sendo que tal falha se dava próxima ao tanque de combustível do mesmo, provocando sua explosão.

            Após uma família ter sido vitimada pelo evento, culminando com a morte do filho do casal, Ralph Nader ingressa com uma ação indenizatória contra a empresa, sendo, então, auxiliado por um ex - contador da empresa como testemunha no processo, o qual revelou ao Juízo da causa que a fabricante do veículo preferia pagar as indenizações pelos danos causados, inclusive por morte, (raramente ultrapassava US$10.000,00) do que chamar os veículos para reparar o defeito. O êxito na demanda fez com que Nader conseguisse o pagamento de uma indenização milionária à família vitimada, além de uma determinação judicial no sentido de que os veículos defeituosos fossem recolhidos pela Ford para os devidos reparos.[10]

 Em 1965, Ralf Nader publicou o livro Inseguro em Qualquer Velocidade, ocasião em que registrou a despreocupação da indústria automobilística com a segurança dos consumidores.  Com sua atuação impulsionou o congresso americano a editar uma série de leis que envolveram segurança de veículos em 1966.
Em seus sites  http://www.nader.org/ e http://www.votenader.org/, pode-se constatar que Ralf Nader continua sendo um ativista importante para os americanos, tendo inclusive concorrido à Presidência dos Estados Unidos em 1996, 2000, 2004 e 2008, por partidos independentes.
Também no início da década de 1960 foi fundada a entidade Internacional Organization of Consumers Unions (IOCU) que atualmente é conhecida como Consumers International, que tinha como principal objetivo a “internacionalização, sistematização e racionalização dos testes dos produtos” conforme ensina o doutrinador Marcelo Gomes Sodré.[11]
Convém registrar o dia 15 de março de 1962, data do discurso no qual o então Presidente norte-americano John F. Kennedy, enunciou a existência de direitos fundamentais do consumidor. “[...] Posteriormente, esta data do ano foi consagrada como Dia Internacional do Consumidor [...].”[12]. Nesta ocasião foram reconhecidos os direitos do consumidor a segurança, informação, escolha e a ser ouvido. 
Nos dias atuais os consumidores norte americanos continuam se organizando, sendo importante mencionar os vários movimentos de boicote que promoveram mudanças de comportamento em grandes corporações, como por exemplo “Nike” e “Macdonalds”



[1] SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. p. 130.

[2] GRINOVER, Ada Pellegrini (coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto.  p. 62.
[3] SIDOU, J. M. Othon. Proteção ao consumidor. p. 13.
[4] Truste: é a forma de abuso do poder econômico pela qual uma grande empresa domina o mercado e afasta seus concorrentes, ou os obriga a seguir a estratégia econômica que adota. É uma forma impositiva do grande sobre o pequeno empresário. FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo.  p. 788.
[5] NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. p. 2.
[6] FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. p. 24.
[7] GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de Direito do Consumidor. p.2.
[8] IDEC. Guia de Mobilização para o Consumidor-Cidadão. p.10.
[9] GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de Direito do Consumidor. p. 5.

[10] GUGLINSKI. Vitor Vilela. Síntese Histórica do Direito do Consumidor nos EUA, Europa e Brasil. Disponível em : http://jusvi.com/artigos/27728. acesso em 29/12/08. Acesso em: 29 de dezembro de 2008.
[11] SODRÉ, Marcelo Gomes. A construção do Direito do Consumidor. Um Estudo sobre as Origens das Leis Principiológicas de Direito do Consumidor.  p. 24/25.

[12] ESCOLA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Manual de Direito do Consumidor.  p. 15.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE O DIREITO DO CONSUMIDOR


Patricia Mara da Silva. Advogada, professora, pós-graduada em Direito Administrativo com ênfase em gestão pública. Especialista em Direitos Difusos e Coletivos. Coordenadora  da Associação Brasileira da Cidadania e do Consumidor do Estado de Mato Grosso do Sul.

É difícil afirmar com exatidão o momento do nascimento do direito do consumidor. Certamente nasceu com a sociedade de consumo, porém não é difícil deduzir que o consumo é uma prática natural, inerente ao ser humano e necessário para a garantia de sua sobrevivência. Desta forma, basta estar vivo para consumir.
O fato é que a partir do momento em que o homem começa a estabelecer as primeiras relações comerciais já se pode verificar uma incipiente preocupação com a proteção ao consumidor.
O Estado, desde tempos mais remotos, sempre procurou responder às provocações dos consumidores, porém nos moldes individualistas, de forma limitada, com pouca efetividade para a coletividade.
Como exemplo desta atuação do Estado, ainda na Antiguidade, vale mencionar o renomado doutrinador José Geraldo Brito Filomeno:

         Há quem denote (Leizer  Lerner apud Jorge T. M. Rollemberg, 1987) já no antigo “Código de Hamurabi” certas regras que, ainda que indiretamente, visavam a proteger o consumidor. Assim, por exemplo, a Lei n° 233 rezava que o arquiteto que viesse a construir uma casa cujas paredes se revelassem deficientes teria a obrigação de reconstruí-las ou consolidá-las às suas próprias expensas [...].

         Na Índia, no século XIII a.C, o sagrado código de Manu previa multa e punição, além de ressarcimento de danos, àqueles que adulterassem gêneros. [...].[1]

Na busca de se estabelecer um sistema lógico para construção desta síntese, fez-se a opção por relatar brevemente os modos de produção do mundo ocidental porque foi entre os ocidentais que se verificou o interesse pelos estudos econômicos, além disso, o Brasil é um país ocidental.

Os povos orientais, por conta de uma filosofia que defende a busca da felicidade desprendida de conquistas materiais, sempre tiveram uma atitude negativa com relação à riqueza. Sobre a visão do homem oriental, ensina a doutrinadora Ingrid Hahme Rima:
 
         Entre os povos mais antigos, uma atitude negativa em relação à riqueza talvez seja mais claramente evidenciada no pensamento dos hindus e dos chineses, embora esta seja uma característica do pensamento oriental em geral. A filosofia oriental considera que a felicidade é conseguida através de um estado da mente em que as necessidades materiais se tornam cada vez menos importantes. Aceita a pobreza com passividade fatalista e considera a riqueza com relativa indiferença. A renúncia material da filosofia oriental e sua rejeição ao valor do homem como indivíduo, fazem com que essa filosofia seja incoerente com o progresso e o desenvolvimento do pensamento econômico.[2]

Adentrando ao estudo dos modos de produção convém destacar que na época em que os homens eram nômades prevalecia o modo de produção primitivo, período em que o homem não produzia. Segundo as palavras do professor Pércio dos Santos:

         Inicialmente, os humanos viviam em tribos nômades e dependiam exclusivamente dos recursos da região em que a tribo se encontrava. Sobreviviam graças à coleta e ao extrativismo: caçavam animais para se alimentar e para usar as peles como roupas, pescavam e colhiam frutos silvestres. Não dominavam a natureza. Passavam provações quando acontecia alguma alteração climática brusca e a caça e pesca e os frutos silvestres rareavam.[3]

Durante aquele modo de produção, que foi a primeira forma de organização do homem, não havia ainda a ideia de propriedade, tudo era de todos, não havia sequer Estado. Ora, a propriedade era coletiva, portanto, não se falava em relações comerciais e muito menos em proteção ao consumidor naquele período.
O modo de produção primitivo foi superado pelo modo de produção escravista, período em que o Estado e a ideia de propriedade privada estavam bem delineados, prevalecendo a figura do proprietário de terras, de escravos (força de trabalho), dos meios de produção e do produto do trabalho. Percebe-se nesta fase que as relações comerciais não eram regra.
Com a decadência do Império Romano e a consequente desestabilização social instalou-se no Ocidente o modo de produção feudal, aonde predominou a relação servil, ou seja, o senhor feudal era o proprietário da terra e exercia forte domínio sobre o servo. Frisa-se que não preponderava o escravismo neste período. O senhor feudal representava a descentralização do poder, ou seja, o eixo do poder não estava na cidade, mas sim no campo.
Nestes três modos de produção (primitivo, escravista e feudal) não houve prevalência de relações comerciais e, as existentes nos dois últimos modos de produção não preponderaram nestes momentos históricos, pois a princípio as relações de consumo se exteriorizavam através de negócios interpessoais.
A paz interna, o desenvolvimento das forças produtivas e as profundas transformações na organização do trabalho que deram lugar ao surgimento do modo de produção capitalista. A partir deste modo de produção que se consegue identificar o direito do consumidor, pois as relações humanas se tornaram complexas, o homem começou a se relacionar de forma mais intensa e deixar de somente produzir alimentos para consumo próprio e trocar produtos para comercializar bens de forma intensiva.
Assim, é razoável situar neste momento histórico as bases do direito do consumidor, pois a partir deste contexto é que se pode identificar precisamente o fornecedor, o consumidor, o produto e o serviço.
Importante destacar que não se trata de situar no início do modo de produção capitalista o surgimento do direito do consumidor, mas sim de situar nas origens do capitalismo a clara percepção da atuação dos atores da relação de consumo (fornecedor e consumidor).
A ascensão do modo de produção capitalista na Europa trouxe como consequências a urbanização, o surgimento da classe dos trabalhadores assalariados, a industrialização e, consequentemente, o mercado de consumo. Vale ressaltar também como características deste modo econômico a propriedade dos meios de produção, a busca pelo lucro através dos elementos liberdade, propriedade privada e o trabalho assalariado.
Apesar das evoluções trazidas pelo capitalismo, deve-se registrar que este modo de produção apresenta algumas distorções. A principal delas, ocasionada talvez pelo excesso de liberdade. Neste aspecto pontua o ilustre professor Argemiro Jacob Brum:
         O capitalismo, ao pregar a não-intervenção do Estado na economia e implantar a livre concorrência, elevou as virtudes do livre mercado ao grau absoluto. E, com isso, estabeleceu na economia, e também na sociedade, a lei do mais forte. A absolutização do livre mercado não leva ao paraíso; ao contrário, transforma o mercado numa arena implacável: vencem os mais fortes. Os aspectos de justiça social acabam sendo sacrificados em nome da eficiência produtiva e da eficácia do lucro. Levam vantagem os que produzem mais e melhor a menores custos; outros são eliminados do processo. A obsessão pelo lucro máximo provoca a concentração da propriedade, da riqueza e da renda. Deixado livremente aberto o caminho, instala-se a exploração dos trabalhadores, para reduzir custos e triunfar na concorrência.[4]

Por esta análise histórica pode-se identificar que a preocupação com a tutela do consumidor não teve como ponto de partida o Estado, pois este como se viu não interveio inicialmente do mercado, admitindo, equivocadamente, que as regras do próprio mercado beneficiassem a sociedade.
Assim, foi o próprio trabalhador-consumidor que, incomodado com as péssimas condições de trabalho e com a pouca qualidade dos produtos e serviços, desencadeou um processo de organização de pessoas na intenção de pressionar os empresários da época a respeitar o trabalhador-consumidor.
Com a Revolução Industrial, com a produção em série e consequente desenvolvimento de uma classe trabalhadora assalariada, o ocidente assistiu o surgimento das primeiras entidades de defesa do consumidor, organizações que estavam ligadas necessariamente aos movimentos de trabalhadores.
No Brasil, onde o conquistador português chega em 1500, pode-se perceber que até o final do século XVIII prevaleceu o modelo de colônia de exploração, ou seja, a preponderância do modo de produção escravista, tardiamente instalado por estas terras.
No século XX é que se pode falar em sociedade de consumo no Brasil. O doutrinador Marcelo Gomes Sodré cuidou de registrar algumas ideias conceituais sobre sociedade de consumo: 

         [...] Mas o que é uma sociedade de consumo? Respondendo muito genericamente, e sem a precisão necessária, chamamos de consumo aquela na qual, tendo fundamento em relações econômicas capitalistas, estão presentes, pelo menos, cinco externalidades: (i) produção em série de produtos, (ii) distribuição em massa de produtos e serviços, (iii) publicidade em grande escala no oferecimento dos mesmos, (iv) contratação de produtos e serviços via contrato de adesão e (v) oferecimento generalizado de crédito direto ao consumidor. Com certeza é somente após a Segunda Guerra Mundial que estes elementos estão plenamente presentes no Brasil.[5]

A realidade econômica do Brasil até a década de 1930 é de economia direcionada para a produção agrícola com destaque para o café, com a utilização da mão-de-obra escrava e foi com o processo de superação desta maneira de produzir, que teve fortes influências externas, bem como a vinda de imigrantes para o Brasil, que se formou uma classe de trabalhadores assalariados e consequentemente uma massa de consumidores.
Após a segunda guerra mundial, as multinacionais de diversos setores, como exemplo veículos e bebidas chegaram ao Brasil que nesta época, principalmente durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek, já estava mais concatenado com as transformações mundiais. Apesar do dinamismo do governo de Juscelino, no final de seu governo o povo brasileiro sentia os efeitos de uma considerável inflação.
Sem fazer comentários sobre o curto governo do presidente Jânio Quadros, um ponto crucial na história política brasileira deste período foi o projeto político do então Presidente João Goulart que, dentre várias metas, previa a limitação das percentagens de dividendos que as empresas estrangeiras poderiam enviar para seus países de origem, bem como a expropriação de terras. Estas e outras metas do programa de governo de Goulart desagradaram alguns setores da sociedade brasileira e culminaram na tomada do poder pelos militares em 1964.   
Durante a conhecida Ditadura Militar, enquanto a liberdade do povo era subtraída, o governo foi construindo fortes laços internacionais, estimulando a entrada de capital estrangeiro, reduzindo gastos públicos e propagando perante o povo uma visão otimista de desenvolvimento do Brasil rumo aos países emergentes.
Nesta época muitos supermercados e shopping centers foram criados no Brasil, sendo tal período identificado como Milagre Brasileiro. Sobre a postura do governo perante o mercado nesta época, que não era libertária, relata o historiador Boris Fausto:

         [...] A política de Delfim se destinava a promover o que se chamou de desenvolvimento capitalista associado. Seria engano pensar que essa política aplicava uma receita liberal, deixando ‘a mão invisível do mercado’ a tarefa de promover o desenvolvimento. Pelo contrário, o Estado intervinha em uma extensa área, indexando salários, concedendo créditos, isenções de tributos aos exportadores etc. Muitos setores da grande indústria, dos serviços e da agricultura beneficiaram-se largamente da ação do Estado naqueles anos.[6]

Na década de 1980, período de alto desemprego, com o aumento do custo de vida e com a redução dos investimentos públicos desencadeou-se o fenômeno da redemocratização (fim da ditadura), que teve como auge o movimento Diretas Já, ocorrido durante o governo do último presidente militar João Batista Figueiredo.
Apesar da primeira eleição pós-ditadura no Brasil ter sido indireta, as bases da democracia foram lançadas neste período com o saudoso presidente Tancredo Neves que apesar de eleito morreu antes de assumir a presidência.
Foi no governo José Sarney que a defesa do consumidor ganhou pela primeira vez as ruas, pois no esforço de combater a inflação este governo lançou o plano cruzado. Isto ocorreu em 1986, ocasião em que o então presidente conclamava os brasileiros e brasileiras para denunciarem a remarcação de preços. Os consumidores mais motivados chamavam a imprensa para noticiar os supermercados que desobedeciam ao tabelamento de preços imposto pelo governo. Nesta época muitos consumidores se autodenominavam fiscais do Sarney.
Estas mobilizações destacaram a importância de uma política de defesa do consumidor no âmbito federal, estimulando na ocasião a criação do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor.
Após toda esta transição, em 1988 as bases da construção de um Estado democrático são edificadas com a promulgação da Constituição Federal em cinco de outubro de 1988.  Esta carta magna ficou conhecida como constituição cidadã e entre os avanços concebidos está a determinação direta para que o próprio Estado promova a defesa do consumidor (art.5º inciso XXXII[7]). De fato um importantíssimo avanço no campo dos direitos sociais.
Já sob a égide da Constituição Federal de 1988, no final do governo José Sarney o país convivia com o desemprego crônico, com a alta inflação, com uma absurda e diária remarcação de preços de produtos devido ao desgaste do plano cruzado, com o desaparecimento de produtos dos mercados e com o boicote de produtores e empresários.
Neste cenário é que foi eleito o primeiro presidente pela via direta após a ditadura, Fernando Collor de Mello, no início de 1990. Neste período muitas empresas estatais foram privatizadas (Plano Nacional de Desestatização) e o mercado brasileiro foi aberto aos produtos internacionais. O governo Collor também foi marcado por planos econômicos fracassados como Collor I e II e por escândalos e acusações que culminaram com seu afastamento do poder após um processo de impeachment pelo legislativo.
Com tudo isso, a mesma política que gerou uma febre pelo consumo, em um segundo momento, propagou uma grave crise de desemprego.
Em 1994, já no governo Itamar Franco (vice-presidente do governo Collor), em reação à crise instalada, foi colocado em ação o plano real que tinha como meta o combate à inflação. Já no governo de Fernando Henrique Cardoso, autor do Plano Real quando Ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, a política do Plano Real se estruturou e o processo de abertura do Brasil ao mercado internacional continuou de forma acentuada, principalmente com relação à privatização dos serviços públicos, citando-se como exemplo o setor de telefonia.
Como reflexo desta opção política o Estado foi deixando de ser o realizador dos serviços públicos para regulá-los. Neste contexto é que surgem várias agências reguladoras (autarquias especiais) com o dever legal de desempenhar o papel de guardiões do interesse público nos contratos administrativos de concessão assinados com grupos privados de investidores, sendo a maioria corporações internacionais.
Em 2003, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que trilhando os caminhos traçados por seus antecessores alcançou o tão sonhado controle inflacionário e os níveis de emprego se elevaram.
Apesar dos avanços, na metade do segundo semestre de 2008, uma crise econômica de altíssimas proporções atingiu os Estados Unidos da América e está irradiando por todo o mundo.
Agora, no governo Dilma, vivemos tempos de maior estruturação política da defesa do consumidor com a criação da Secretaria Nacional do Consumidor, e de inclusão de toda uma classe social no mercado de consumo, acompanhada de um não controlado e perigoso estímulo ao consumo.
 No presente ano de 2013 o tema “inflação” voltou a marcar presença no noticiário juntamente com os altos índices de endividamento dos consumidores brasileiros, fica a incógnita quanto aos efeitos desta crise para o mercado brasileiro, cujo impacto aos trabalhadores e consumidores dependerá do nível estrutural da economia do Brasil.
Notas
[1] FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. p. 22 e 23.
2 RIMA, Ingrid Hahne. História do Pensamento Econômico. p. 28.
3 OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Introdução à Sociologia. São Paulo. p. 105.
4 BRUM. Argemiro Jacob. Desenvolvimento Econômico Brasileiro. p. 32.
5  SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. p. 25.
6 FAUSTO, Boris. História do Brasil. p.486

Referências

BRUM. Argemiro Jacob. Desenvolvimento Econômico Brasileiro. 19ª ed. Ijuí-RS: Editora Unijuí, 1998.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 8ª ed. São Paulo: Edusp, 2000.
FILOMENO, José Geraldo Brito. A curadoria de Proteção ao Consumidor. Edições APMP – Associação Paulista do Ministério Público. Série – Cadernos Informativos. São Paulo, 1987.
______. José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.
OLIVEIRA, Pérsio Santos de, Introdução à Sociologia. São Paulo. 2002.
RIMA, Ingrid Hahne, História do Pensamento Econômico. 1ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 1977.
SIDOU, J. M. Othon. Proteção ao consumidor. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977.
SILVA, DE PLÁCIDO E. Vocabulário Jurídico. 25ª edição, Rio de Janeiro: Editora Forense. 2004.





[1] FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. p. 22 e 23.

[2] RIMA, Ingrid Hahne. História do Pensamento Econômico. p. 28.
[3] OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Introdução à Sociologia. São Paulo. p. 105.

[4] BRUM. Argemiro Jacob. Desenvolvimento Econômico Brasileiro. p. 32.

[5]  SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. p. 25.
[6] FAUSTO, Boris. História do Brasil. p.486
[7] Art. 5° [...]
  XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;