terça-feira, 15 de janeiro de 2013

TELEFONIA: AÇÕES TELEBRÁS – (VULGAMENTE “AÇÕES DA CONSIL”) COMERCIALIZADAS EM CAMPO GRANDE NA DÉCADA DE 90.

   O “Programa Comunitário de Telefonia – PCT[1],
doravantedenominado de PCT/91, visou à expansão do
sistema telefônico de Campo Grande em 30.000 linhas telefônicas.
Os contratos assinados pelo consumidor previa que todos os valores com que o consumidor-investidor participasse de Programas Comunitários de Telefonia lhes seriam retribuídos em ação telebrás pela concessionária local[2].
A norma em vigor de que se fala aqui e que é mencionada no Contrato de Promessa de Entroncamento e Absorção de Rede (doc. nº 8)- a Portaria nº 44, de 19 de abril de 1991, da Secretaria Nacional de Comunicações do Ministério da Infra-Estrutura (versão agosto 1991), que aprovou e publicou a NET Nº 004/DNPU – Abril 1991 e que se encontrava em vigor à época dos fatos aqui narrados. Sobre o assunto em testilha esta Portaria previa:
"5.1.2 – A concessionária retribuirá as ações, nos termos das normas em vigor, o valor de avaliação acima referido, limitada essa retribuição ao valor máximo de participação financeira por ela praticado na sua área de concessão
Pelo contrato mater que a Telems fez com a Comunidade de Campo Grande[3] - denominado “Contrato de Promessa de Entroncamento e Absorção de Rede e que tratava da referida expansão de 30.000 linhas telefônicas em Campo Grande - ela se comprometeu a retribuir em ações a todos os consumidores que participassem financeiramente do PCT/91, assinando com as empreendedoras Consil e Inepar o referido “Contrato de Participação Financeira em Programa Comunitário de Telefonia”, nos seguintes termos:
“CLÁUSULA SEXTA - ATIVAÇÃO E TRANSFERÊNCIA DE REDE
6.1 Após aceitas as instalações, o valor dos bens associados será apropriado por avaliação, segundo os critérios estabelecidos entre as partes.
6.2 Com base no valor apurado, os bens associados à rede serão transferidos para a TELEMS em DAÇÃO, a título de participação financeira, para tomada de assinatura do serviço telefônico público.
6.3 A TELEMS retribuirá em ações, nos termos da Norma em vigor[4], o valor de avaliação acima referido, limitada essa retribuição ao valor máximo de participação financeira por ela praticado em sua área de concessão.”
Apesar das previsões, a Telems e a sua sucessora, a BRT negaram a referida retribuição aos consumidores
A Portaria 610/94, do Ministério das Comunicações – invocada pela Telems para obrigar as empreendedoras Consil e Inepar a retirar do Contrato de Participação Financeira em Programa Comunitário de Telefonia a previsão de retribuição em ações da participação financeira dos últimos 10.000 consumidores[5] que com elas contratassem – não tinha a extensão que aquela concessionária quis dar. Ela se aplicava tão somente (a) aos planos de expansão comunitário que fossem lançados dalí para frente, isto é, a partir de 22 de junho de 1994, quando da edição da Portaria nº 375, e (b) às ampliações que fossem, a partir daquela data (22/6/94), feitas em planos em vigor, o que não era o caso do plano do qual a parte requerente participou, qual seja o PCT/91, uma vez que este plano iniciou-se em 16 de dezembro de 1991, já com a previsão de expansão do sistema em 30.000 linhas telefônicas e não houve ampliação deste plano após a publicação da predita Portaria nº 375/94, como confirma, in verbis, a cláusula 7.1 do Contrato de Promessa de Entroncamento e Absorção de Rede assinado, em 16 de dezembro de 1991, pela Telems com a comunidade de Campo Grande:
CLÁUSULA SÉTIMA - VIGÊNCIA
7.1 O presente Contrato vigorará até o término da comercialização e implantação de até 30.000 terminais, a partir da data de sua assinatura, podendo, no entanto, ser denunciado a qualquer tempo por acordo mútuo ou em razão de inobservância de suas disposições.”
A ilegalidade da cláusula 5.2.1[6] do Contrato de Participação Financeira em Programa Comunitário de Telefonia assinado por 5.000 com a Consil foi magistralmente reconhecida pelo Des. Nelson Mendes Fontoura ao proferir, na qualidade de Relator, seu voto na APELAÇÃO CÍVEL n° 69.004-2[7] (doc. nº 12). Eis o teor, na parte que interessa, do referido voto:
“Por último, a recorrente sustenta a legalidade da cláusula contratual introduzida pela Portaria nº 610/94, do Ministério das Comunicações, que veio a eximir a concessionária do dever de retribuir em ações o valor da participação financeira integralizada por cada assinante.
Tal afirmativa, na verdade, demonstra que a recorrente litiga contra expressa disposição legal contida na própria portaria que menciona.
É o que bem observou o culto Promotor de Justiça do Consumidor:
"Embora o ítem 5.1.1 da Portaria 610/94 estabeleça que 'os bens correspondentes à rede telefônica associada à planta comunitária serão transferidos para a concessionária, por doação ou comodato (...)', a predita norma não se aplica a nenhuma fase do PCT/91, dado que seu inciso II estabelece que ‘tais alterações não se são aplicáveis aos projetos que se acham em curso, quando da edição da Portaria nº 375, de 22 de junho de 1994, nos quais a concessionária e a comunidade tenham firmado Contrato de Promessa de Entroncamento e Absorção de Rede, não alcançando, também, as ampliações desses mesmos projetos, desde que, nesta última hipótese, os pedidos para tal finalidade tenham sido formalizados em data anterior ao dia da publicação dessa Portaria’.
Como ficou explicitado acima, todos os contratos referentes ao PCT/91 foram firmados em 16 de dezembro de 1991, o que se leva a concluir que aquele plano já se encontrava em curso quando da edição da Portaria 375/94. A divisão em etapas (2 etapas da Inepar e 3 etapas da Consil), como também já dito, se deu apenas por questão de opção das empreendedoras, no sentido de facilitar os trabalhos, motivo pelo qual a última etapa de que trata a ação civil pública em discussão não pode ser tida como ampliação do projeto original, o qual já previa, desde seu nascedouro, a expansão de 30.000 terminais." (f. 905)
Ainda que assim não fosse, referida cláusula contratual é nula de pleno direito, conforme bem defendeu o juiz a quo, em sentença que merece elogios, verbis:
"É injustificável a recusa, por conta da TELEMS, em retribuir aos participantes o número de ações correspondentes a participação financeira de cada consumidor.
A cláusula contratual que exime a concessionária do dever de retribuir em ações o valor da participação financeira integralizada por cada assinante, deve ser considerada abusiva porque restringe direito fundamental do consumidor e, consequentemente, proclamada sua nulidade, a teor do que dispõe o art. 51, § 1º, II, do Código de Defesa do Consumidor." (f. 871)
Podemos concluir que a apelante, ao agir como agiu, em relação aos consumidores que adquiriram as linhas telefônicas na última etapa do PCT/91, contrariou não só as Portarias nº 086/91 e 610/94, mas também o contrato de Promessa de Entroncamento e Absorção de Rede, originalmente firmado entre a Comunidade de Campo Grande e as Diretrizes Gerais para implantação de Planta Comunitária de Telefonia (PCT), expedido pela Telebrás, que, em seu item 9.11 prevê como dever da concessionária apelante, a obrigatoriedade de: "A partir da incorporação de todo o acervo da Planta Comunitária, retribuir em AÇÕES nos termos da norma em vigor, o valor dos bens e instalação associados a instalação da Planta Comunitária." (grifei).
Pelas razões acima expostas, nego provimento ao recurso.
Resta transcrever aqui, para finalizar este item, a ementa do acórdão supra, quanto ao ponto aqui tratado:
E  M  E  N  T  A - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONSUMIDORES ASSINANTES DE LINHAS TELEFÔNICAS - DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS PATROCINADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - PRELIMINARES - ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM E CERCEAMENTO DE DEFESA - REJEITADAS - MÉRITO - CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA EM PLANO COMUNITÁRIO DE TELEFONIA - CONSUMIDORES QUE FAZEM INVESTIMENTO EM LINHA TELEFÔNICA - RETRIBUIÇÕES EM AÇÕES TELEBRÁS NEGADA PELA CONTRATANTE - PACTO DESCUMPRIDO - CONSUMIDORES LESADOS - INEXISTÊNCIA DE CONDIÇÃO SUSPENSIVA E DIREITO ADQUIRIDO À DOAÇÃO DAS LINHAS TELEFÔNICAS - RECURSO IMPROVIDO.
(....).
IV- A cláusula contratual introduzida pela Portaria nº 610/94 do Ministério das Comunicações que veio a eximir a concessionária do dever de retribuir em ações o valor da participação financeira integralizada por cada consumidor assinante, não se aplica ao Plano Comunitário de Telefonia do ano de 1991 tendo em vista a existência de expressa disposição legal que proíbe sua retroatividade para alcançar os projetos em andamento e também por se tratar de cláusula nula de pleno direito por restringir direito fundamental do consumidor previsto no artigo 51,§ 1º, II, do Código de Defesa do Consumidor.”
Os consumidores investidores têm direito à retribuição em ações de sua participação financeira na expansão das 30.000 linhas telefônicas em Campo Grande, porque eles estão nas mesmas condições em que se encontravam os outros 20.000 consumidores que participaram do PCT/91 com direito às ações telebrás, de modo que, no caso, negar-lhe este direito constitui ofensa ao princípio constitucional da isonomia.
Mas, qual o momento em que tais retribuições deveriam ter ocorrido? Com o fim de se estabelecer, em relação à multa mensal e os juros cabíveis, (i) qual é o montante dos mesmos e (ii) a partir de que momento eles serão fixados.
Os prazos para as retribuições foram fixados, além de outras normas, nos itens 5.1.1 e 5.3. da Portaria 086/91 do Ministério das Comunicações, nos seguintes termos:
“5.1.1 - a capitalização deverá ser efetuada com base no valor patrimonial da ação, apurado no primeiro balanço elaborado e auditado após a integralização da participação.
5.3 - O prazo para retribuição em ações não poderá exceder a 06 (seis) meses da data do encerramento do balanço auditado referido no item 5.1.1.”
Como não se sabe exatamente quando se deu o primeiro balanço a que se refere o item 5.1.1 supra, mas sabendo que o prazo para a retribuição foi fixado em até 6 meses da data do encerramento do balanço auditado, conforme se vê do item 5.3. supra, e levando em conta que o juiz que julgou a ação civil pública que tratava deste mesmo assunto fixou tão somente 90 dias para que a Telems entregasse as ações prometidas, é razoável que se fixe nas ações individuais sobre o tema como data para a realização da retribuição prometida 6 meses após a integralização das ações, ou seja, com o pagamento da última parcela prevista no contrato firmado entre consumidor e a Consil.
Como as ações não foram retribuídas deverá ser aplicado também, a multa e os juros cabíveis, uma vez que, por força de lei, o não cumprimento da avença, na forma e prazo contratualmente estipulados, obriga o inadimplente ao pagamento da multa e juros cabíveis contados do momento em que a obrigação deveria ter sido cumprida e não o foi.
Por oportuno, mister se faz dizer que esta conclusão não é desfeita nem pelo argumento de que, pela inércia do interessado em propor a ação, a multa moratória e os juros devem ser contados a partir da propositura da ação.
Isto porque, in caso, a inércia não foi do consumidor, mas da BRT e da sua antecessora que não cumpriu, antes que a respectiva ação executiva prescrevesse[8], a obrigação de fazer imposta pelo Poder Judiciário, na Ação Civil Pública nº 96.0025111-8, intentada pelo Ministério Público, no sentido de que a antecessora da BRT retribuísse, em 90 dias, sob pena de multa diária, em ações, a participação financeira dos 5.000 consumidores na última fase do PCT/91 promovido pela Consil Engenharia Ltda[9].
Ademais, decisão contrária a este entendimento não pode ocorrer nem a pedido da BRT, posto que não lhe é dado beneficiar-se da própria torpeza.
Ainda a respeito dos juros e multa, é preciso reforçar aqui as conclusões acima, no sentido de que eles devem ser fixados a partir da data da integralização das ações telebrás e nos percentuais fixados no item 6.2 da cláusula 6 do Contrato de Participação Financeira em Programa Comunitário de Telefonia contra o consumidor, já que os consumidores tem arcado com grande prejuízo, vez que se encontram há anos impossibilitados de obter tanto os lucros que lhe resultariam de investimentos que poderia ter feito com os valores que lhe são devidos, quanto os dividendos que lhe seriam devidos se tivesse, na época própria, sido investida na condição de acionista, em razão da compra de ações que realizou.



[1] Programa Comunitário de Telefonia - PCT era uma modalidade de autofinanciamento criada pelo Sistema Telebrás para possibilitar que uma determinada comunidade carente do serviço de telefonia efetuasse a implantação ou expansão da rede telefônica, fazendo-se representar por entidades públicas, que contratavam empresas do ramo para proceder as referidas implantação ou expansão necessárias, devido a incapacidade financeira e de investimento da concessionária local, sendo que o valor da obra era pago pelo consumidor diretamente à empreendedora, como contrapartida dos serviços realizados e a título de participação financeira e com a promessa de ser retribuído, em ações telebrás, na exata proporção de sua participação, pela respectiva concessionária, já que era esta quem recebia o patrimônio construído com o dinheiro do consumidor e com ele passava a auferir os altos lucros daí advindos.
[2] Esta transação é descrita no artigo 39, I, do CDC como venda casada, pois para o consumidor adquirir o direito de uso de uma linha telefônica, aquilo que ele queria, ele deveria comprar ações telebrás, produto que ele não desejava.
[3] A Comunidade campograndense foi, nesta transação, representada pelo Município de Campo Grande.
[4] A norma em vigor de que trata este Contrato de Promessa de Entroncamento e Absorção de Rede é a Portaria nº 44, de 19 de abril de 1991, que aprovou e publicou a NET Nº 004/DNPU – Abril 1991.
[5] Vale esclarecer que dos 30.000 terminais de que tratava o PCT/91 de Campo Grande, 15.000 foram expandidos pela Consil e 15.000 pela Inepar, sendo certo que, em relação aos 20.000 primeiros terminais (10.000 da Consil e 10.000 da Inepar), os Contratos de Participação Financeira em Programa Comunitário de Telefonia, que eram assinados pelos consumidores individuais com as ditas empreendedoras (Consil e Inepar), atendendo às normas em vigor e o que estava previsto no Contrato de Promessa de Entroncamento e Absorção de Rede, previam a retribuição, em ações, a participação financeira do consumidor. Já em relação aos 10.000 últimos terminais (5.000 expandidos pela Consil e 5.000 pela Inepar), a Telems, supostamente fundamentada na Portaria 610/94, obrigou as referidas empreendedoras a modificarem o Contrato de Participação Financeira em Programa Comunitário de Telefonia, para deles retirar o direito, dali para frente, à retribuição prevista na avença mater (Contrato de Promessa de Entroncamento e Absorção de Rede) que a Telems havia feito com a Comunidade de Campo Grande. Foi por conta disso que na Cláusula 5ª, item 5.2.1, do contrato de adesão firmado pela requerente com a Consil constava, “in verbis”: “De acordo com a Portaria 610 de 19 de agosto de 1994, do Ministério das Comunicações os bens correspondentes à rede telefônica associada à Planta Comunitária, serão transferidos para a Telecomunicações de Mato Grosso do Sul S.A – TELEMS por DOAÇAO, não cabendo à CONTRATANTE A RETRIBUIÇÃO EM AÇÕES. Contra esta ilegalidade, o MPE propôs uma ação civil pública que foi julgada procedente “para determinar que, no prazo de noventa dias, contado da data da intimação da sentença, [a Telems] procedesse à retribuição em ações dos valores efetivamente pagos a título de participação financeira, em benefício dos 5.000 (cinco mil) promitentes-assinantes, incluídos na terceira fase do Programa Comunitário de Telefonia” que havia assinado Contrato de Participação Financeira em Programa Comunitário de Telefonia com a Consil. Contra esta decisão, a Telems interpôs a Apelação n° 69.004-2 que foi improvida.
[6] Esta cláusula 5.2.1. previa, como visto na nota de rodapé anterior que não cabia à contratante a retribuição em ações.
[7] Diz-se que “A ilegalidade da cláusula 5.2.1 do Contrato de Participação Financeira em Programa Comunitário de Telefonia assinado pela requerente foi magistralmente reconhecida pelo Des. Nelson Mendes Fontoura ao proferir, na qualidade de Relator, seu voto na APELAÇÃO CÍVEL n° 69.004-2”, porque esta Apelação foi interposta pela Telems contra decisão proferida em ação civil pública que declarou abusiva a referida cláusula contratual em benefício de todos os últimos 5.000 consumidores que firmaram com a Consil o predito Contrato de Participação Financeira em Programa Comunitário de Telefonia, dentre os quais se encontra a requerente.
[8] Neste aspecto, é importante lembrar que o TJMS, com base em recente entendimento do STJ, tem extinguido execuções da sentença proferida na referida Ação Civil Pública nº 96.0025111-8, sob o fundamento de que as ações executivas de sentença proferida em ação civil pública prescreve em 5 anos.
[9] O raciocínio feito aqui não leva a conclusão de que esta ação individual não pode ser proposta porque haveria ofensa à coisa julgada, posto que isto não ocorre em razão da previsão expressa do artigo 104 do CDC que prevê, in verbis: “Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.”