segunda-feira, 25 de novembro de 2013

PALAVRAS AO VENTO NORTE – 55

Há poucos homens capazes de prestar homenagem ao sucesso de um amigo, sem qualquer inveja.

( Ésquilo, dramaturgo grego. 525 a.C  até 428 a.C)

CONFISCO DA POUPANÇA E JULGAMENTO FINAL DOS PLANOS ECONÔMICOS PELO STF

RAIMUNDO GOMES DE BARROS  - DIRETOR JURÍDICO DA ADECCON

Milhares de consumidores tungados na sua caderneta de poupança nos Planos Verão, Bresser e Collor de 1986, 1989 e 1991, respectivamente, poderão sofrer a grande decepção de suas vidas, na próxima quarta-feira, dia 27.11.13, caso o julgamento definitivo do confisco da poupança dos consumidores brasileiros seja favorável aos banqueiros.
Como se sabe, o próprio Supremo Tribunal Federal - STF já havia julgado essa ‘pendenga’, em favor dos consumidores, em inúmeros recursos extraordinários, declarando a inconstitucionalidade desses malsinados planos.
Reaberta a questão, através de uma manobra processual dos banqueiros, todos os processos que já haviam sido julgados em favor dos consumidores, encontram-se sobrestados e submetidos a um novo julgamento, isto em decorrência de uma Emenda Constitucional de 2004, que instituiu a possibilidade de o STF submeter processos repetitivos, como era o caso das ações que discutiam o confisco da poupança, ao regime de repercussão geral. Trata-se de um mecanismo processual que confere àquela Corte o poder de determinar o sobrestamento de todos os processos, para julgá-los em caráter definitivo, de uma só vez.
Ocorre que, segundo noticia à grande imprensa brasileira, o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, o Presidente do Banco Central, Alexandre Tombine, e o Advogado Geral da União, Luiz Adams, acompanhados de várias outras autoridades jurídicas e econômicas do Governo Federal, estiveram no dia 22.11.2013 no STF, com o propósito de alertar e convecer os Ministros da Suprema Corte de que os banqueiros não podem e não devem pagar a correção dos planos econômicos referidos aos consumidores.
Essa pressão sobre os Ministros do STF,especialmente por autoridades do Governo Federal, além de ser desleal e afrontosa ao princípio da separação dos Poderes, representa um escárnio sobre a sociedade que não dispõe do mesmo poder de acesso aos membros do STF.
Demais disso, o ‘lobby’ dos banqueiros, realizado pelo próprio Governo Federal, já vem surtindo um efeito surpreendente nessa causa. É que até 2010, todos os julgamentos do STF sobre essa questão eram favoráveis aos poupadores (consumidores) daquela época. Observe-se que, na visita que essas autoridades fizeram no dia 22.11.2013 ao STF, chegaram mesmo a reconhecer que têm atuado junto à Corte no sentido de impedir o jullgamento. Teria dito o Ministro da Fazenda: "em abril pedimos o adiamento do julgamento, agora queremos demonstrar que os planos econômicos são constitucionais e, como tal, devem ser reconhecidos pelos Ministros do STF".
Um detalhe da maior relevância é o fato de o então Advogado Geral da União, Dias Tóffoli, precisamente no ano de 2008, concedeu várias entrevistas para grandes jornais, sustentando que os bancos tinham razão. Naquela oportunidade, inclusive o IDEC - Institudo Brasileiro de Defesa do Consumidor, em conjunto com outras sociedades civis de defesa do consumidor, entre elas a ADECCON – Associação de Defesa da Cidadania e do Consumidor, entregou uma manifestação de repúdio ao então Presidente Luiz Inacio Lula da Silva, que manteve-se em ‘sepulcral’ silêncio até hoje.
Assim que foi nomeado para o cargo de Ministro do STF, Dias Tófoli submeteu ao regime de repercussão geral dois Recursos Extraordinários de poupadores e determinou o sobrestamento de todos os processos em tramitação em todo o território nacional.
Outros dois processos encontram-se nas mesmas condições, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes.
Na visita que as autoridades do Governo fizeram dia 22.11.13 aos Ministros do STF, com a finalidade de impressionar os julgadores, ali afirmaram que a decisão contra os bancos provocaria uma retração de crédito de R$1 trilhão, isto porque a dívida dos bancos, ora questionada, seria de R$149 bilhões. Isso é uma aleivosia.
Por sua vez, a Revista Veja desta semana, que circulou no sábado, dia 23.11.13, de forma aparentemente tendenciosa, desinforma a sociedade brasileira, falando em um baque contra os bancos da ordem de R$150 bilhões e, de forma capciosa, dá a entender que as vítimas do confisco da poupança não têm um bom direito, chegando mesmo a afirmar que esse caso chegou ao STF em face de decisões de juízes de 1ª Instância que, ignorando o fato de não ter havido perda, deram ganho de causa a centenas de milhares de poupadores e que assim decidiram esses juízes, na certeza de estarem favorecendo o poupador desamparado contra um poderoso sistema financeiro.
Diz-se que a informação é tendenciosa, porque, em verdade, esses casos de confisco da poupança não foram julgados apenas pelos juízes de 1ª Instância, mas, ao contrário, por todos os tribunais estaduais e federais do Brasil, ainda pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, e, principalmente, pelo Supremo Tribunal Federa – STF, todos declarando a inconstitucionalidade do confisco da poupança e reconhecendo o direito dos consumidores brasileiros.
Aliás, como escreveu o eminente jornalista Hélio Gaspari, na sua coluna publicada no Jornal Folha de São Paulo, Jornal do Commercio e outros veículos, ed. 24.11.2013, sob o título “O STF COMEÇARÁ A JULGAR A TUNGA DA BANCA”: “há mais de 20 anos, dezenas de milhares de poupadores querem de volta o que perderam”.
Depois de esclarecer que na absoluta maioria dos casos, em primeira e segunda instâncias, no STJ e no próprio STF, os consumidores sempre tiveram ganho de causa, diz: “com exceção de José Antonio Dias Toffoli e Luiz Roberto Barroso, todos os Ministros do STF já julgaram casos relacionados com esse avanço sobre o bolso alheio, e votaram contra os bancos. Com ótimos advogados, os bancos mostraram seu poder de persuasão. Durante o Governo Lula, o Banco Central saiu de uma posição de neutralidade e hoje é aliado dos banqueiros no litígio. O argumento mais recente é de que o ressarcimento das vítimas criaria um risco sistêmico para os bancos, pois a conta iria a R$180 bilhões. A Procuradoria Geral da República e o Instituto de Defesa do Consumidor, campeão dessa batalha, garantem que isso é uma lorota. Sempre é bom lembrar que, se os bancos brasileiros fizessem como o Morgan (refere-se ao caso dos EUA), fechando um acordo em apenas sete anos, teriam pago algo como R$10 bilhões”.
“De qualquer forma, continua o eminente jornalista, a contabilidade bancária obriga as casas de crédito a provisionar recursos para cobrir despesas decorrentes de litígios judiciais. Somando-se as provisões feitas pelos quatro bancos privados e públicos, seus balanços informam que elas ficaram em R$11 bilhões”.
Gratificante a notícia que vem da pena de Hélio Gaspari, reconhecidamente um jornalista independente, informando à sociedade sobre a realidade dos fatos e até mesmo do direito. Contrariamente, afigura-se preocupante que uma revista do porte e dimensão da Veja, nas vésperas de um julgamento assim tão importante, como ela mesma o classifica, chegue ao cúmulo de publicar uma matéria que tem dois lados, ouvindo apenas um deles (o dos banqueiros), fugindo assim do conraditório, que é um princípio muito caro ao dever de informar com isenção.
Por fim, circula a notícia de uma sondagem no sentido de que, nesse julgamento, os Ministros da Suprema Corte estariam em situação de empate, com apenas um deles ainda em dúvida, que será o fiel da balança.

Portanto, seria muito oportuno que a sociedade se movimentasse sobre tão angustiante questão, até porque o que se pede e espera é que o julgamento seja jurídico e não econômico, como querem as autoridades governamentais.
 


quarta-feira, 30 de outubro de 2013

OLHO VIVO 13: Nós & e o Marqueting

Eu realmente não viveria sem várias das valiosas invenções da civilização como por exemplo a medicina. Sei que todas estas invenções (dinheiro, status, poder,...), esta "orquestra" se apresenta no "paço" do capitalismo com um eco muito poderoso. Chama muito atenção o pensamento  do psicólogo Geoffrey Miller: " Mães, não deixem que seus filhos se transformem  em consultores de marqueting" ..."Que as pessoas geralmente  são motivadas (muitas vezes até inconscientemente) a alardear  seus indicadores de aptidão", "instinto por busca de status". Isso é bom? É importante tomar cuidado, pois há muito de superficial, descartável, R$ 1,99, ilusório e causador de doenças psíquicas, nisso tudo... (Darwin vai às compras)

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

PALAVRAS AO VENTO NORTE – 54


Perder com classe e vencer com ousadia. Pois o triunfo pertence a quem mais se atreve… e a vida é muito para ser insignificante.

( Sir Charles Spencer Chaplin  - 1889 a 1977, ator diretor, produtor, humorista, empresário, escritor, comediante, dançarino, roteirista e músico britânico)

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

VENDEM-SE MALAS SEM ALÇA

Patricia Mara da Silva. Advogada, Coordenadora da Escola Popular de Direito do Consumidor da ABCCON/MS. (patriciaconsumidor@gmail.com e

Parece que a indústria, por motivos econômicos (aumentar lucros com redução de custos sem nenhuma contrapartida), resolveu mudar o conceito de computador.
Para o consumidor, computador sempre foi uma máquina de processamento de dados composta pelo Monitor (tela), CPU, teclado e mouse.

Ocorre que o mercado está deixando de oferecer o monitor. Os vendedores dizem que agora o equipamento é considerado um televisor e por este motivo é vendido separadamente.

Sendo assim, se o consumidor quiser adquirir um computador para pagamento à prazo em uma loja de eletrodomésticos terá que fazer dois financiamentos.

O mais interessante é que o kit diminuiu, mas o preço não.

Isto é vulnerabilidade!!

Os consumidores não têm controle sobre o que e como a indústria produz.

Os consumidores poderiam influenciar muito se nossas associações, como por exemplo, a ABCCON-MS, tivesse a adesão da sociedade, ou seja, se fôssemos educados para o associativismo.

Mas ainda não somos.

Enquanto isso a moda está pegando.

Desmembrar ou no mínimo excluir a possibilidade do consumidor comprar um produto que só funcionará plenamente mediante a aquisição de “kit de equipamentos” está cada vez mais presente.

Há alguns anos atrás escrevi sobre as vassouras sem cabo.

Tem fornecedor vendendo vassoura sem cabo por aí. O produto foi desmembrado e transformado em dois como se fosse uma opção do consumidor levar o cabo ou não. Por acaso é melhor utilizar a vassoura sem o cabo? É claro que não. A razão desta opção mercadológica não é outra senão aumentar os lucros, pois, não houve redução nos preços das vassouras sem o cabo. A saída do consumidor deve ser a mesma adotada no caso da redução de quantidade nos rolos de papel higiênico, o boicote. Portanto, não compre vassouras e cabos separados. Procure adquirir este produto de fabricantes éticos, que respeitem o consumidor, ou seja, aqueles que ainda vendem a vassoura junto com o cabo. Utilize também os SACs das empresas para reclamar. Os fornecedores precisam saber que seus consumidores estão descontentes com a mudança.  Se a moda pega, daqui a pouco teremos à venda “malas sem alça”. Olho vivo! 

Publiquei o texto acima no meu blog (http://patriciaconsumidor.blogspot.com.br) no dia 6/10/10. Na ocasião orientei o consumidor a boicotar tais vassouras. Bom, agora já não é mais possível fazer isto, por todas as vassouras disponíveis no mercado vem sem cabo, e preço se elevou. 

Que sujeira!

Antigamente, nas aulas de empreendedorismo se ensinava como transformar boas ideias em novos produtos. Agora o mercado aprendeu, sei lá como, a transformar produtos em novos produtos sem nenhum benefício para o consumidor, parece não haver limites para a sede por lucro.

Fornecedores com esta postura são verdadeiras malas-sem-alça!!!


Reclamem!

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

PALAVRAS AO VENTO NORTE – 53

Há duas formas para viver a sua vida:
Uma é acreditar que não existe milagre.
A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.
 (Fernando Pessoa – 13/06/88 A 30/11/35 - foi um poeta e escritor português, nascido em Lisboa. É considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa e da literatura universal)


OLHO VIVO 12: SISTEMA DE SAÚDE DO SENADO

Assisti ontem entrevista do Senador Randolfe no Record News e fiquei abismada em saber que os senadores tem plano de saúde completo e  ilimitado sem pagar um R$1,00 de contribuição. O detalhe é que a cara regalia permanece inclusive para o cônjuge  mesmo após a saída do cargo, ou seja, mesmo que o sujeito tenha ficado alguns meses terá esta benesse até a morte.  
A proposta de Randolfe pede a extinção do atual sistema de saúde dos senadores, que garante o direito a reembolso ilimitado com despesas médicas. Desta forma, eles poderão aderir ao mesmo Plano Médico oferecido aos servidores do Senado.

Acompanhar de perto isso é um dever de todo cidadão, pois esta desigualdade lembra a época do “rei sol” 

segunda-feira, 10 de junho de 2013

DINHEIRO SEM TRABALHO. VOCÊ ACHA LEGAL?

O trabalho é fonte de dignidade, de contribuição para um mundo melhor, por isto temos que fazer o que gostamos, para tanto nem precisamos ser doutores, basta que compreendamos que nosso labor interfere positivamente no mundo.
Romântica?  Não, realista ..., pois não vejo os perseguidores cegos pelo patrimônio colocarem a mão na taça da felicidade, muito pelo contrário...
Parece que a cada 10 anos, MÚMIAS SAEM DAS PIRÂMIDES, ou seja,  chega no mercado uma velha nova fórmula mágica de ganhar dinheiro sem trabalho.
Não parece, mas isto é muito pior do que ganhar bem fazendo o que não gosta.
Discorda?
Viva a democracia...
Prefiro celebrar também a coerência, a legalidade e a partilha.

Abaixo transcrevo tão somente o conceito de PIRÂMIDE que coletei inteiramente da wikipedia.

“Um esquema em pirâmide conhecido também como pirâmide financeira é um modelo comercial previsivelmente não-sustentável que depende basicamente do recrutamento progressivo de outras pessoas para o esquema, a níveis insustentáveis1 . Nos Estados Unidos, a Federal Trade Commission dá dicas para identificar aqueles que parecem ser esquemas em pirâmide2 . Esquemas em pirâmide existem há pelo menos um século.
O esquema de pirâmide pode ser mascarado com o nome de outros modelos comerciais que fazem vendas cruzadas tais como o marketing multinível (MMN), que são legais. A maioria dos esquemas em pirâmide tira vantagem da confusão entre negócios autênticos e golpes complicados, mas convincentes, para fazer dinheiro fácil. A ideia básica por trás do golpe é que o indivíduo faz um único pagamento, mas recebe a promessa de que, de alguma forma, irá receber benefícios exponenciais de outras pessoas como recompensa. Um exemplo comum pode ser a oferta de que, por uma comissão, a vítima poderá fazer a mesma oferta a outras pessoas. Cada venda inclui uma comissão para o vendedor original.
Claramente, a falha fundamental é que não há benefício final; o dinheiro simplesmente percorre a cadeia, e somente o idealizador do golpe (ou, na melhor das hipóteses, umas poucas pessoas) ganham trapaceando os seus seguidores. As pessoas na pior situação são aquelas na base da pirâmide: aquelas que assinaram o plano, mas não são capazes de recrutar quaisquer outros seguidores. Para dourar a pílula, a maioria de tais golpes apresentará referências, testemunhos e informações”.

PALAVRAS AO VENTO NORTE – 52



Sonho com o dia em que todos levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos.(Nelson Mandela  (advogado, ex-líder rebeldee , ex-presidente da África do Sul de 1994 a 1999, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1993)

segunda-feira, 3 de junho de 2013

TRABALHO LEGISLATIVO PARA A ELABORAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR BRASILEIRO

Em resposta a este clamor da sociedade, em 1988 o legislador constituinte cuidou do tema na própria Carta Magna, constitucionalizando a defesa do consumidor nos artigos 5o, XXXII e 170, V, dentre outros.
Ao analisar os trabalhos realizados para a elaboração do Código de Defesa do Consumidor pode-se afirmar que nenhum outro processo legislativo foi tão socializado como este, como se pode ver na obra escrita detalhadamente pelos autores do anteprojeto Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Daniel Roberto Fink, José Geraldo Brito Filomeno, Kazuo Watanabe, Nelson Nery Júnior e Zelmo Denari[1].
O trabalho iniciou-se antes da Constituição de 1988 pelo CNDC e deu ao anteprojeto do CDC ampla divulgação nacional, enviando-o às várias entidades sociais para provocar debates, críticas e sugestões que auxiliaram na sua reformulação, para somente após publicá-lo novamente, em janeiro de 1989, com parecer e justificativas necessárias.
Assim que o anteprojeto foi divulgado foi apresentado como projeto de lei pelos deputados Geraldo Alckmin, depois, Raquel Cândido, seguida de José Yunes.
Apesar da republicação do anteprojeto também ter provocado a apresentação de Projetos legislativos no Senado Federal, um pelo senador Jutahy Magalhães e outro pelo senador Ronan Tito, os trabalhos da comissão prosseguiram com vários eventos, com contribuição inclusive de estrangeiros que fizeram novas revisões no anteprojeto, o qual foi entregue ao deputado Michel Temer e apresentado como projeto de lei.
Como havia muitos projetos de CDC tramitando na Câmara dos Deputados e no Senado, o Congresso Nacional resolveu constituir uma comissão mista para elaborar o Projeto do Código de Defesa do Consumidor, consolidando assim os projetos legislativos já existentes.
O deputado Joaci Góes, assessorado por alguns dos autores do anteprojeto, foi o relator da citada comissão que assegurou a plena participação social.
Com algumas emendas, o projeto do CDC elaborado pela Comissão Mista foi publicado em dezembro de 1989 e aprovado pela própria comissão. Em julho de 1990 foi enviado para votação em Plenário do Congresso, convocado extraordinariamente para este fim.
Apesar de todo o empenho, antes de ser sancionado, o projeto sofreu 42 vetos presidenciais, tornando-se posteriormente a Lei Federal 8.078, de 11 de setembro de 1990, o CDC, publicada em 12 de setembro do mesmo ano e tendo entrado em vigor em 11 de março de 1991.
O CDC veio sanar muitos problemas que existiam e dificultavam ou impossibilitavam a tutela preconizada pela Constituição Federal acerca dos direitos do consumidor, pois inaugurou uma nova forma de legislar, consagrando direitos como a boa-fé objetiva, inversão do ônus da prova e responsabilidade objetiva, bem como os instrumentos processuais para propiciar a tutela coletiva, dentre outras garantias.
A apresentação dos princípios (artigo 4°) evidenciou que a proteção prevista no CDC se manifesta antes, durante e após a consecução da relação jurídica de consumo.
O caráter desta lei principiológica é de comando multidisciplinar, pois os legisladores do CDC trouxeram de forma inovadora não somente as previsões de âmbito civil, mas também criminal, administrativa e processual.
Apesar da amplitude aqui destacada, esta lei de ordem social não é fechada. É o que se verifica da leitura do artigo 7°:
    Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costume e equidade.

 O avanço da Lei Federal 8.078/90 é notável, pois chega a admitir que outra norma prevaleça sobre ela caso mais favorável ao consumidor.
É relevante também registrar que a Lei 8.078/90 foi concebida para permitir a proteção de inúmeros consumidores ao mesmo tempo, razão pela qual, ampliando a proteção proporcionada pela Lei de Ação Civil Pública, conceitua o que vem a ser direitos difusos, coletivos e inova ao apresentar os direitos individuais homogêneos, indicando os instrumentos e mecanismos suficientes para a realização desses direitos.
É lei principiológica de ordem pública e de interesse social (artigo 1°, do CDC), por estes motivos prevalece sobre outras leis e atos que venham a contrariá-la.

Referências
ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 4ª ed. ver. ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.
______. João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. 2ª ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2006.
ARANHA, Maria Lucia de Arruda Aranha e. FILOSOFANDO – Introdução à Filosofia. 1° Ed. São Paulo: Saraiva, 1992.
BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do Consumidor – Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. rev. atual, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.
BENJAMIN. Antonio Herman de Vasconcellos e. Direito do Consumidor.  São Paulo – SP: Revista dos Tribunais, v.1, ano 1, Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, março/1992.
ESCOLA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Manual de Direito do Consumidor. Ministério da Justiça Brasília – DF. 2008.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 8ª ed. São Paulo: Edusp, 2000.
FILOMENO, José Geraldo Brito. A curadoria de Proteção ao Consumidor. Edições APMP – Associação Paulista do Ministério Público. Série – Cadernos Informativos. São Paulo, 1987.
______. José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.
GRINOVER, Ada Pellegrini (coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8a ed., Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2004.





[1] GRINOVER, Ada Pellegrini (coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

PAINEL GERAL SOBRE O HISTÓRICO DA ATUAÇÃO DO MOVIMENTO CONSUMERISTA



Patricia Mara da Silva. Advogada,  professora, pós-graduada em Direito Administrativo com ênfase em gestão pública. Especialista em Direitos Difusos e Coletivos. Coordenadora da Associação Brasileira da Cidadania e do Consumidor do Estado de Mato Grosso do Sul.


Indubitavelmente o berço do movimento dos consumidores foram os Estados Unidos da América (EUA) devido aos aspectos econômicos imperantes naquele país. Importante ressaltar que não se quer dizer que não existiram movimentos em outros países, mas sim que a história consumerista vivida nos EUA influenciou todo o ocidente em matéria de defesa do consumidor.
Quanto à história do movimento de consumidores no Brasil se buscará tratar da criação das principais entidades de defesa do consumidor. Tal estudo será feito humildemente, em concordância com o entendimento do doutrinador Marcelo Soares Sodré que ressalte que este trabalho ainda não foi realizado com muita eficiência e sensibilidade:

         A história do movimento de defesa dos consumidores no Brasil é uma história a ser contada. Com o detalhe e especificidade que era de desejar, tal trabalho não foi ainda realizado. Isto já é significativo no sentido de comprovar a fragilidade teórica com que este assunto tem sido tratado.[1]

Por uma questão metodológica nesta pesquisa não se destacará o movimento consumerista em outros países da América Latina, pois apesar de sua relevância tem bases semelhantes às brasileiras.
Cumpre registrar o esforço do governo brasileiro pela construção de um sistema latino americano de defesa do consumidor conforme se verificou na obra Defesa do Consumidor na América Latina – Atlas Geopolítico.

1.1.1 Movimento de Consumidores nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos da América é que se pode situar as bases do movimento consumerista, nas palavras do doutrinador José Geraldo Brito Filomeno ao comentar o artigo 4° do Código de Proteção e Defesa do Consumidor na obra Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto:

         Não é por acaso, aliás, que o chamado “movimento consumerista”, tal qual nós o conhecemos hoje, nasceu e se desenvolveu a partir da segunda metade do século XIX, nos Estados Unidos, ao mesmo tempo que os movimentos sindicalistas lutavam por melhores condições de trabalho e do poder aquisitivo dos chamados “frigoríficos de Chicago”.[2] 

Em 1872 foi editada a primeira lei norte-americana de proteção ao consumidor, que tinha como finalidade tachar os atos fraudulentos do comércio.[3]
Já em 1890, diante de um clima de agitações sociais por causa do descontentamento do povo americano face à extrema liberdade das corporações, foi editada a lei antitruste, conhecida como Lei Shermann, primeira lei dos Estados Unidos da América de combate ao monopólio de empresas que objetivavam dominar todas as etapas de produção de bens, controlando preços, praticando o truste[4].
Sobre o assunto, destacamos o fato da Lei Shermann ter sido editada exatamente cem anos antes do Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor, como observa o doutrinador Rizzatto Nunes:

         Anote-se essa observação: nos Estados Unidos, que hodiernamente é o país que domina o planeta do ponto de vista do capitalismo contemporâneo, que capitaneia o controle econômico mundial (cujo modelo de controle tem agora o nome de globalização), a proteção ao consumidor havia começado em 1890 com a Lei Shermann, que é a lei antitruste americana. Isto é, exatamente um século antes do nosso CDC, numa sociedade que se construía como sociedade capitalista de massa, já existia uma lei de proteção ao consumidor.[5]

No ano seguinte, 1891, foi criada a primeira entidade civil de que se tem registro, a New York Consumer’s League, que marcou a união entre os interesses dos trabalhadores e consumidores, conforme ensina o doutrinador José Geraldo Brito Filomeno: “Entretanto, embora coevos, os movimento trabalhista e consumerista acabaram por cindir-se, mais precisamente pela criação da Consumer’s League, em 1891[...].”[6]
Vale ressaltar que o movimento consumerista lutou inicialmente por temas específicos de Direitos Humanos, no dizer do doutrinador Hélio Zaghetto Gama, “teve origem nas lutas dos grupos sociais contra as discriminações de raça, sexo, idade e profissões vividas no final do século XIX e no início do século XX.”[7]
Pode-se perceber a clara vinculação entre a luta dos trabalhadores e os direitos dos consumidores, isto porque os representantes dos trabalhadores perceberam que a melhor pressão aos patrões seria aquela que mexesse com os seus lucros.
Sobre estes primeiros movimentos consumeristas sabe-se que organizavam boicotes às empresas que desrespeitavam direitos de trabalhadores e de consumidores, conforme o do Guia de Mobilização para o Consumidor-Cidadão publicado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) em 2006:

         Campanhas e Boicotes são importantes instrumentos de mobilização social, e o movimento consumerista está repleto de exemplos que comprovam sua eficácia. O próprio movimento inicia-se com uma campanha na qual o boicote era um dos elementos. Para protestar contra as más condições de trabalho nos Estados Unidos no fim do século XIX, os consumidores norte-americanos elaboravam listas que continham os nomes das empresas que respeitavam os direitos trabalhistas e pregavam o boicote àquelas que não faziam parte da lista. Deu certo![8]

Já no século XX, a pressão ao mercado norte americano não parou nos sindicatos de trabalhadores, pois as entidades civis e também os próprios Conselhos Profissionais, percebendo a possibilidade de vantagens econômicas, passaram a lutar pela edição de normas e regulamentos pelo Estado, visando o melhoramento dos produtos e serviços.
Destaca-se que visando proteger a concorrência o governo norte-americano criou em 1914 um órgão público para a promoção de defesa da concorrência a Federal Trade Commission.
Após a segunda guerra mundial, a defesa do consumidor se ampliou mais ainda com o surgimento de movimentos ativistas em vários países, conforme o ensinamento de Hélio Zaghetto Gama:

         No pós-guerra de 1945 e 1947, os movimentos de defesa do consumidor espalharam-se pelo Canadá e pela Europa. Organizações ativistas foram criadas na Dinamarca (“Conselho do Consumidor”), na Inglaterra, na Alemanha, na França, na Bélgica e na Áustria. No final da década de 50 organizações foram criadas na Austrália e no Japão.[9] 


O movimento consumerista ganhou forte apelo público na década de 1960 nos Estados Unidos, graças, por exemplo, à atuação do advogado Ralf Nader, que desafiou a indústria automobilística americana ao comprovar que os fabricantes de veículos não se preocupavam com a segurança do consumidor e que preferiam pagar indenizações para os poucos consumidores que ajuizavam ações judiciais. Com isto Ralf provocou a realização do primeiro recall da história. Sobre isto escreveu o especialista em Direito do Consumidor Vitor Vilela Guglinski. in verbis:

Merece especial referência a figura de Ralph Nader, jovem advogado americano responsável pelo primeiro recall de que se tem notícia, e pela quebra do paradigma de indenizações tarifadas no direito norte - americano. A história jurídica dos EUA dá conta de que aquele causídico ajuizou uma ação contra a fabricante de automóveis Ford após um defeito de fabricação em um de seus automóveis, o qual apresentava defeito em seu sistema elétrico, provocando a produção de fagulha num dos fios que conduzia eletricidade ao farol traseiro do veículo, sendo que tal falha se dava próxima ao tanque de combustível do mesmo, provocando sua explosão.

            Após uma família ter sido vitimada pelo evento, culminando com a morte do filho do casal, Ralph Nader ingressa com uma ação indenizatória contra a empresa, sendo, então, auxiliado por um ex - contador da empresa como testemunha no processo, o qual revelou ao Juízo da causa que a fabricante do veículo preferia pagar as indenizações pelos danos causados, inclusive por morte, (raramente ultrapassava US$10.000,00) do que chamar os veículos para reparar o defeito. O êxito na demanda fez com que Nader conseguisse o pagamento de uma indenização milionária à família vitimada, além de uma determinação judicial no sentido de que os veículos defeituosos fossem recolhidos pela Ford para os devidos reparos.[10]

 Em 1965, Ralf Nader publicou o livro Inseguro em Qualquer Velocidade, ocasião em que registrou a despreocupação da indústria automobilística com a segurança dos consumidores.  Com sua atuação impulsionou o congresso americano a editar uma série de leis que envolveram segurança de veículos em 1966.
Em seus sites  http://www.nader.org/ e http://www.votenader.org/, pode-se constatar que Ralf Nader continua sendo um ativista importante para os americanos, tendo inclusive concorrido à Presidência dos Estados Unidos em 1996, 2000, 2004 e 2008, por partidos independentes.
Também no início da década de 1960 foi fundada a entidade Internacional Organization of Consumers Unions (IOCU) que atualmente é conhecida como Consumers International, que tinha como principal objetivo a “internacionalização, sistematização e racionalização dos testes dos produtos” conforme ensina o doutrinador Marcelo Gomes Sodré.[11]
Convém registrar o dia 15 de março de 1962, data do discurso no qual o então Presidente norte-americano John F. Kennedy, enunciou a existência de direitos fundamentais do consumidor. “[...] Posteriormente, esta data do ano foi consagrada como Dia Internacional do Consumidor [...].”[12]. Nesta ocasião foram reconhecidos os direitos do consumidor a segurança, informação, escolha e a ser ouvido. 
Nos dias atuais os consumidores norte americanos continuam se organizando, sendo importante mencionar os vários movimentos de boicote que promoveram mudanças de comportamento em grandes corporações, como por exemplo “Nike” e “Macdonalds”



[1] SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. p. 130.

[2] GRINOVER, Ada Pellegrini (coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto.  p. 62.
[3] SIDOU, J. M. Othon. Proteção ao consumidor. p. 13.
[4] Truste: é a forma de abuso do poder econômico pela qual uma grande empresa domina o mercado e afasta seus concorrentes, ou os obriga a seguir a estratégia econômica que adota. É uma forma impositiva do grande sobre o pequeno empresário. FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo.  p. 788.
[5] NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. p. 2.
[6] FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. p. 24.
[7] GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de Direito do Consumidor. p.2.
[8] IDEC. Guia de Mobilização para o Consumidor-Cidadão. p.10.
[9] GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de Direito do Consumidor. p. 5.

[10] GUGLINSKI. Vitor Vilela. Síntese Histórica do Direito do Consumidor nos EUA, Europa e Brasil. Disponível em : http://jusvi.com/artigos/27728. acesso em 29/12/08. Acesso em: 29 de dezembro de 2008.
[11] SODRÉ, Marcelo Gomes. A construção do Direito do Consumidor. Um Estudo sobre as Origens das Leis Principiológicas de Direito do Consumidor.  p. 24/25.

[12] ESCOLA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Manual de Direito do Consumidor.  p. 15.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE O DIREITO DO CONSUMIDOR


Patricia Mara da Silva. Advogada, professora, pós-graduada em Direito Administrativo com ênfase em gestão pública. Especialista em Direitos Difusos e Coletivos. Coordenadora  da Associação Brasileira da Cidadania e do Consumidor do Estado de Mato Grosso do Sul.

É difícil afirmar com exatidão o momento do nascimento do direito do consumidor. Certamente nasceu com a sociedade de consumo, porém não é difícil deduzir que o consumo é uma prática natural, inerente ao ser humano e necessário para a garantia de sua sobrevivência. Desta forma, basta estar vivo para consumir.
O fato é que a partir do momento em que o homem começa a estabelecer as primeiras relações comerciais já se pode verificar uma incipiente preocupação com a proteção ao consumidor.
O Estado, desde tempos mais remotos, sempre procurou responder às provocações dos consumidores, porém nos moldes individualistas, de forma limitada, com pouca efetividade para a coletividade.
Como exemplo desta atuação do Estado, ainda na Antiguidade, vale mencionar o renomado doutrinador José Geraldo Brito Filomeno:

         Há quem denote (Leizer  Lerner apud Jorge T. M. Rollemberg, 1987) já no antigo “Código de Hamurabi” certas regras que, ainda que indiretamente, visavam a proteger o consumidor. Assim, por exemplo, a Lei n° 233 rezava que o arquiteto que viesse a construir uma casa cujas paredes se revelassem deficientes teria a obrigação de reconstruí-las ou consolidá-las às suas próprias expensas [...].

         Na Índia, no século XIII a.C, o sagrado código de Manu previa multa e punição, além de ressarcimento de danos, àqueles que adulterassem gêneros. [...].[1]

Na busca de se estabelecer um sistema lógico para construção desta síntese, fez-se a opção por relatar brevemente os modos de produção do mundo ocidental porque foi entre os ocidentais que se verificou o interesse pelos estudos econômicos, além disso, o Brasil é um país ocidental.

Os povos orientais, por conta de uma filosofia que defende a busca da felicidade desprendida de conquistas materiais, sempre tiveram uma atitude negativa com relação à riqueza. Sobre a visão do homem oriental, ensina a doutrinadora Ingrid Hahme Rima:
 
         Entre os povos mais antigos, uma atitude negativa em relação à riqueza talvez seja mais claramente evidenciada no pensamento dos hindus e dos chineses, embora esta seja uma característica do pensamento oriental em geral. A filosofia oriental considera que a felicidade é conseguida através de um estado da mente em que as necessidades materiais se tornam cada vez menos importantes. Aceita a pobreza com passividade fatalista e considera a riqueza com relativa indiferença. A renúncia material da filosofia oriental e sua rejeição ao valor do homem como indivíduo, fazem com que essa filosofia seja incoerente com o progresso e o desenvolvimento do pensamento econômico.[2]

Adentrando ao estudo dos modos de produção convém destacar que na época em que os homens eram nômades prevalecia o modo de produção primitivo, período em que o homem não produzia. Segundo as palavras do professor Pércio dos Santos:

         Inicialmente, os humanos viviam em tribos nômades e dependiam exclusivamente dos recursos da região em que a tribo se encontrava. Sobreviviam graças à coleta e ao extrativismo: caçavam animais para se alimentar e para usar as peles como roupas, pescavam e colhiam frutos silvestres. Não dominavam a natureza. Passavam provações quando acontecia alguma alteração climática brusca e a caça e pesca e os frutos silvestres rareavam.[3]

Durante aquele modo de produção, que foi a primeira forma de organização do homem, não havia ainda a ideia de propriedade, tudo era de todos, não havia sequer Estado. Ora, a propriedade era coletiva, portanto, não se falava em relações comerciais e muito menos em proteção ao consumidor naquele período.
O modo de produção primitivo foi superado pelo modo de produção escravista, período em que o Estado e a ideia de propriedade privada estavam bem delineados, prevalecendo a figura do proprietário de terras, de escravos (força de trabalho), dos meios de produção e do produto do trabalho. Percebe-se nesta fase que as relações comerciais não eram regra.
Com a decadência do Império Romano e a consequente desestabilização social instalou-se no Ocidente o modo de produção feudal, aonde predominou a relação servil, ou seja, o senhor feudal era o proprietário da terra e exercia forte domínio sobre o servo. Frisa-se que não preponderava o escravismo neste período. O senhor feudal representava a descentralização do poder, ou seja, o eixo do poder não estava na cidade, mas sim no campo.
Nestes três modos de produção (primitivo, escravista e feudal) não houve prevalência de relações comerciais e, as existentes nos dois últimos modos de produção não preponderaram nestes momentos históricos, pois a princípio as relações de consumo se exteriorizavam através de negócios interpessoais.
A paz interna, o desenvolvimento das forças produtivas e as profundas transformações na organização do trabalho que deram lugar ao surgimento do modo de produção capitalista. A partir deste modo de produção que se consegue identificar o direito do consumidor, pois as relações humanas se tornaram complexas, o homem começou a se relacionar de forma mais intensa e deixar de somente produzir alimentos para consumo próprio e trocar produtos para comercializar bens de forma intensiva.
Assim, é razoável situar neste momento histórico as bases do direito do consumidor, pois a partir deste contexto é que se pode identificar precisamente o fornecedor, o consumidor, o produto e o serviço.
Importante destacar que não se trata de situar no início do modo de produção capitalista o surgimento do direito do consumidor, mas sim de situar nas origens do capitalismo a clara percepção da atuação dos atores da relação de consumo (fornecedor e consumidor).
A ascensão do modo de produção capitalista na Europa trouxe como consequências a urbanização, o surgimento da classe dos trabalhadores assalariados, a industrialização e, consequentemente, o mercado de consumo. Vale ressaltar também como características deste modo econômico a propriedade dos meios de produção, a busca pelo lucro através dos elementos liberdade, propriedade privada e o trabalho assalariado.
Apesar das evoluções trazidas pelo capitalismo, deve-se registrar que este modo de produção apresenta algumas distorções. A principal delas, ocasionada talvez pelo excesso de liberdade. Neste aspecto pontua o ilustre professor Argemiro Jacob Brum:
         O capitalismo, ao pregar a não-intervenção do Estado na economia e implantar a livre concorrência, elevou as virtudes do livre mercado ao grau absoluto. E, com isso, estabeleceu na economia, e também na sociedade, a lei do mais forte. A absolutização do livre mercado não leva ao paraíso; ao contrário, transforma o mercado numa arena implacável: vencem os mais fortes. Os aspectos de justiça social acabam sendo sacrificados em nome da eficiência produtiva e da eficácia do lucro. Levam vantagem os que produzem mais e melhor a menores custos; outros são eliminados do processo. A obsessão pelo lucro máximo provoca a concentração da propriedade, da riqueza e da renda. Deixado livremente aberto o caminho, instala-se a exploração dos trabalhadores, para reduzir custos e triunfar na concorrência.[4]

Por esta análise histórica pode-se identificar que a preocupação com a tutela do consumidor não teve como ponto de partida o Estado, pois este como se viu não interveio inicialmente do mercado, admitindo, equivocadamente, que as regras do próprio mercado beneficiassem a sociedade.
Assim, foi o próprio trabalhador-consumidor que, incomodado com as péssimas condições de trabalho e com a pouca qualidade dos produtos e serviços, desencadeou um processo de organização de pessoas na intenção de pressionar os empresários da época a respeitar o trabalhador-consumidor.
Com a Revolução Industrial, com a produção em série e consequente desenvolvimento de uma classe trabalhadora assalariada, o ocidente assistiu o surgimento das primeiras entidades de defesa do consumidor, organizações que estavam ligadas necessariamente aos movimentos de trabalhadores.
No Brasil, onde o conquistador português chega em 1500, pode-se perceber que até o final do século XVIII prevaleceu o modelo de colônia de exploração, ou seja, a preponderância do modo de produção escravista, tardiamente instalado por estas terras.
No século XX é que se pode falar em sociedade de consumo no Brasil. O doutrinador Marcelo Gomes Sodré cuidou de registrar algumas ideias conceituais sobre sociedade de consumo: 

         [...] Mas o que é uma sociedade de consumo? Respondendo muito genericamente, e sem a precisão necessária, chamamos de consumo aquela na qual, tendo fundamento em relações econômicas capitalistas, estão presentes, pelo menos, cinco externalidades: (i) produção em série de produtos, (ii) distribuição em massa de produtos e serviços, (iii) publicidade em grande escala no oferecimento dos mesmos, (iv) contratação de produtos e serviços via contrato de adesão e (v) oferecimento generalizado de crédito direto ao consumidor. Com certeza é somente após a Segunda Guerra Mundial que estes elementos estão plenamente presentes no Brasil.[5]

A realidade econômica do Brasil até a década de 1930 é de economia direcionada para a produção agrícola com destaque para o café, com a utilização da mão-de-obra escrava e foi com o processo de superação desta maneira de produzir, que teve fortes influências externas, bem como a vinda de imigrantes para o Brasil, que se formou uma classe de trabalhadores assalariados e consequentemente uma massa de consumidores.
Após a segunda guerra mundial, as multinacionais de diversos setores, como exemplo veículos e bebidas chegaram ao Brasil que nesta época, principalmente durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek, já estava mais concatenado com as transformações mundiais. Apesar do dinamismo do governo de Juscelino, no final de seu governo o povo brasileiro sentia os efeitos de uma considerável inflação.
Sem fazer comentários sobre o curto governo do presidente Jânio Quadros, um ponto crucial na história política brasileira deste período foi o projeto político do então Presidente João Goulart que, dentre várias metas, previa a limitação das percentagens de dividendos que as empresas estrangeiras poderiam enviar para seus países de origem, bem como a expropriação de terras. Estas e outras metas do programa de governo de Goulart desagradaram alguns setores da sociedade brasileira e culminaram na tomada do poder pelos militares em 1964.   
Durante a conhecida Ditadura Militar, enquanto a liberdade do povo era subtraída, o governo foi construindo fortes laços internacionais, estimulando a entrada de capital estrangeiro, reduzindo gastos públicos e propagando perante o povo uma visão otimista de desenvolvimento do Brasil rumo aos países emergentes.
Nesta época muitos supermercados e shopping centers foram criados no Brasil, sendo tal período identificado como Milagre Brasileiro. Sobre a postura do governo perante o mercado nesta época, que não era libertária, relata o historiador Boris Fausto:

         [...] A política de Delfim se destinava a promover o que se chamou de desenvolvimento capitalista associado. Seria engano pensar que essa política aplicava uma receita liberal, deixando ‘a mão invisível do mercado’ a tarefa de promover o desenvolvimento. Pelo contrário, o Estado intervinha em uma extensa área, indexando salários, concedendo créditos, isenções de tributos aos exportadores etc. Muitos setores da grande indústria, dos serviços e da agricultura beneficiaram-se largamente da ação do Estado naqueles anos.[6]

Na década de 1980, período de alto desemprego, com o aumento do custo de vida e com a redução dos investimentos públicos desencadeou-se o fenômeno da redemocratização (fim da ditadura), que teve como auge o movimento Diretas Já, ocorrido durante o governo do último presidente militar João Batista Figueiredo.
Apesar da primeira eleição pós-ditadura no Brasil ter sido indireta, as bases da democracia foram lançadas neste período com o saudoso presidente Tancredo Neves que apesar de eleito morreu antes de assumir a presidência.
Foi no governo José Sarney que a defesa do consumidor ganhou pela primeira vez as ruas, pois no esforço de combater a inflação este governo lançou o plano cruzado. Isto ocorreu em 1986, ocasião em que o então presidente conclamava os brasileiros e brasileiras para denunciarem a remarcação de preços. Os consumidores mais motivados chamavam a imprensa para noticiar os supermercados que desobedeciam ao tabelamento de preços imposto pelo governo. Nesta época muitos consumidores se autodenominavam fiscais do Sarney.
Estas mobilizações destacaram a importância de uma política de defesa do consumidor no âmbito federal, estimulando na ocasião a criação do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor.
Após toda esta transição, em 1988 as bases da construção de um Estado democrático são edificadas com a promulgação da Constituição Federal em cinco de outubro de 1988.  Esta carta magna ficou conhecida como constituição cidadã e entre os avanços concebidos está a determinação direta para que o próprio Estado promova a defesa do consumidor (art.5º inciso XXXII[7]). De fato um importantíssimo avanço no campo dos direitos sociais.
Já sob a égide da Constituição Federal de 1988, no final do governo José Sarney o país convivia com o desemprego crônico, com a alta inflação, com uma absurda e diária remarcação de preços de produtos devido ao desgaste do plano cruzado, com o desaparecimento de produtos dos mercados e com o boicote de produtores e empresários.
Neste cenário é que foi eleito o primeiro presidente pela via direta após a ditadura, Fernando Collor de Mello, no início de 1990. Neste período muitas empresas estatais foram privatizadas (Plano Nacional de Desestatização) e o mercado brasileiro foi aberto aos produtos internacionais. O governo Collor também foi marcado por planos econômicos fracassados como Collor I e II e por escândalos e acusações que culminaram com seu afastamento do poder após um processo de impeachment pelo legislativo.
Com tudo isso, a mesma política que gerou uma febre pelo consumo, em um segundo momento, propagou uma grave crise de desemprego.
Em 1994, já no governo Itamar Franco (vice-presidente do governo Collor), em reação à crise instalada, foi colocado em ação o plano real que tinha como meta o combate à inflação. Já no governo de Fernando Henrique Cardoso, autor do Plano Real quando Ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, a política do Plano Real se estruturou e o processo de abertura do Brasil ao mercado internacional continuou de forma acentuada, principalmente com relação à privatização dos serviços públicos, citando-se como exemplo o setor de telefonia.
Como reflexo desta opção política o Estado foi deixando de ser o realizador dos serviços públicos para regulá-los. Neste contexto é que surgem várias agências reguladoras (autarquias especiais) com o dever legal de desempenhar o papel de guardiões do interesse público nos contratos administrativos de concessão assinados com grupos privados de investidores, sendo a maioria corporações internacionais.
Em 2003, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que trilhando os caminhos traçados por seus antecessores alcançou o tão sonhado controle inflacionário e os níveis de emprego se elevaram.
Apesar dos avanços, na metade do segundo semestre de 2008, uma crise econômica de altíssimas proporções atingiu os Estados Unidos da América e está irradiando por todo o mundo.
Agora, no governo Dilma, vivemos tempos de maior estruturação política da defesa do consumidor com a criação da Secretaria Nacional do Consumidor, e de inclusão de toda uma classe social no mercado de consumo, acompanhada de um não controlado e perigoso estímulo ao consumo.
 No presente ano de 2013 o tema “inflação” voltou a marcar presença no noticiário juntamente com os altos índices de endividamento dos consumidores brasileiros, fica a incógnita quanto aos efeitos desta crise para o mercado brasileiro, cujo impacto aos trabalhadores e consumidores dependerá do nível estrutural da economia do Brasil.
Notas
[1] FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. p. 22 e 23.
2 RIMA, Ingrid Hahne. História do Pensamento Econômico. p. 28.
3 OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Introdução à Sociologia. São Paulo. p. 105.
4 BRUM. Argemiro Jacob. Desenvolvimento Econômico Brasileiro. p. 32.
5  SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. p. 25.
6 FAUSTO, Boris. História do Brasil. p.486

Referências

BRUM. Argemiro Jacob. Desenvolvimento Econômico Brasileiro. 19ª ed. Ijuí-RS: Editora Unijuí, 1998.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 8ª ed. São Paulo: Edusp, 2000.
FILOMENO, José Geraldo Brito. A curadoria de Proteção ao Consumidor. Edições APMP – Associação Paulista do Ministério Público. Série – Cadernos Informativos. São Paulo, 1987.
______. José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.
OLIVEIRA, Pérsio Santos de, Introdução à Sociologia. São Paulo. 2002.
RIMA, Ingrid Hahne, História do Pensamento Econômico. 1ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 1977.
SIDOU, J. M. Othon. Proteção ao consumidor. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977.
SILVA, DE PLÁCIDO E. Vocabulário Jurídico. 25ª edição, Rio de Janeiro: Editora Forense. 2004.





[1] FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. p. 22 e 23.

[2] RIMA, Ingrid Hahne. História do Pensamento Econômico. p. 28.
[3] OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Introdução à Sociologia. São Paulo. p. 105.

[4] BRUM. Argemiro Jacob. Desenvolvimento Econômico Brasileiro. p. 32.

[5]  SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. p. 25.
[6] FAUSTO, Boris. História do Brasil. p.486
[7] Art. 5° [...]
  XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;