segunda-feira, 19 de março de 2012

TEXTO 4: DIREITO DO CONSUMIDOR I – MATUTINO (UFMS) PROFª PATRICIA MARA – LEITURA RECOMENDADA

A DEFESA DO CONSUMIDOR NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Conforme já mencionado no título sobre a evolução da defesa do consumidor, até 1967 a nossa Constituição Federal deixava a desejar em relação ao direito do consumidor, em evidente deficiência com relação a este direito indispensável para a vida em sociedade, por preocupar-se, até então, apenas com a tutela de direitos individuais.
Também vimos que a primeira constituição a tratar do direito do consumidor foi a de 1969, ainda que não o tenha feito de maneira expressa, mas implicitamente ao tratar da competência para legislar sobre produção e consumo.
Não há dúvida de que o crescimento econômico foi fator preponderante para o aumento das questões de natureza consumerista, despertando tanta dedicação do legislador constituinte, que o levou a incluir o direito do consumidor entre os direitos e garantias fundamentais, e elevando sua defesa a princípio da atividade econômica.
Com efeito, ao elencar os direitos e garantias fundamentais, determinando que “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (art. 5o, XXXII), a Constituição Federal de 1988 não só apagou aquela imagem de constituição omissa, como também deixou evidente a preocupação que o tema despertava.
Além de reforçar esta certeza, ao dispor que “A ordem econômica, entre outros princípios, deve observar a defesa do consumidor” (art. 170, V), a Carta Magna vem confirmar o inegável e íntimo vínculo existente entre a economia e o direito do consumidor, os quais estão obrigados, por isso, a guardar uma relação harmoniosa entre si para assegurar a ordem social.
Para dar eficácia a tais normas constitucionais cogentes, o artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, dispôs que “o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará Código de Defesa do Consumidor”[1], não deixando ao legislador infraconstitucional outra alternativa senão votar o respectivo Projeto de Lei.
Assim como qualquer disposição constitucional, as normas referentes à tutela do consumidor só poderão ser modificadas por emendas, após longo e complicado processo legislativo, e desde que não tendam a abolir direitos e garantias individuais, nos termos do art. 60, § 4o, IV da CF.
Apesar de a atual Constituição Federal ter elevado a defesa do consumidor a nível tão alto no sistema jurídico, ela diverge de sua antecessora, na medida em que atribui competência concorrente para legislar sobre a matéria somente para a União, os Estados-Membros e o Distrito Federal, ficando excluídos os Municípios, conforme nos lembra João Batista de Almeida[2], ao fazer a seguinte assertiva:
Já os Municípios não dispõem de competência concorrente para legislar sobre o tema. Poderão apenas legislar sobre assuntos de interesse local, e, para suplementar a legislação federal e estadual, ocupando os espaços deixados por esses entes públicos (art. 30, I e II). Assim, resulta pequena margem reservada ao Município no campo legislativo, porquanto, além de observar as normas gerais da legislação federal, deverá evitar conflitos com a legislação estadual. Não há, no caso, competência concorrente, de sorte que a competência da União e dos Estados exclui, em princípio, a competência do Município para legislar sobre defesa do consumidor. Este só poderá legislar depois das normas gerais da União, pois não dispõe de competência legislativa plena originária. Inexistindo legislação estadual, no entanto, poderá legislar observando as linhas mestras da lei federal.
De outra feita, podemos afirmar que as normas constitucionais de proteção do consumidor, previstas expressamente nos já citados artigos 5o, XXXII e 170,V, foram reforçadas pelas disposições do art. 129, II e III, da CF, na medida em que estas apontam caminhos para se atingir a efetiva tutela pretendida, determinando que também é função institucional do Ministério Público “zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”[3]; e, “promover inquérito civil e ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.”[4]
Procurando demonstrar o liame das várias disposições constitucionais perfeitamente aplicáveis ao direito do consumidor, encontramos excelente abordagem feita por Luiz Antônio Rizzato Nunes[5], ao falar sobre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
Ele nos mostra, por exemplo, que a Constituição Federal vigente tutela a sociedade de modo abrangente, pondo o consumidor a salvo das injustiças que está sujeito a sofrer numa relação de desequilíbrio, ao definir de maneira expressa, no art. 3o, I, que o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, respeitada a realidade concreta vivenciada no momento.
Dos outros objetivos previstos no art. 3o da Carta Constitucional, a construção de uma sociedade solidária (inciso I) e a erradicação da pobreza (inciso III) também devem ser levados em conta ao se analisar o direito do consumidor, pois o primeiro impõe aos membros de uma sociedade o dever ético de assistência mútua, visando uma convivência harmônica e mais humana, e não simplesmente a formação de um grupo oportunista e indiferente às dores e dificuldades dos mais fracos; ao passo que, pelo segundo, se reconhece a condição de pobreza da população brasileira e, em conseqüência, do consumidor também, estando aí caracterizada uma condição de desamparo que, por si só, exige assistência especial do Estado para contornar este problema.
Indispensável lembrar que, ao prescrever os direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos, a Constituição Federal, no caput do art. 5o assim determinou:
“Todos são iguais perante a lei, garantindo-se a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”[6]
Trata-se de preceitos necessários a todo ordenamento jurídico das civilizações modernas, aplicáveis às relações de consumo como vigas mestras de uma estrutura harmoniosa, tendentes a colocar fornecedor e consumidor em pé de igualdade, evitando que o interesse do mais fraco venha a sucumbir diante da ânsia desenfreada do mais forte na busca do lucro a qualquer custo.
Tanto é verdade que a igualdade foi elevada, pela própria constituição, ao patamar de princípio geral do direito, assim como a liberdade, prevista ainda no art. 1o, IV e no art. 3o, I, da Constituição Federal, para afastar qualquer dúvida de que todo indivíduo goza deste direito em seu sentido mais amplo, inclusive na qualidade de consumidor na hora de escolher o produto e/ou serviço que melhor atenda suas necessidades.
A inviolabilidade à vida, à segurança e à liberdade, assim previsto no caput do art. 5o, da Carta Magna, é mola mestra no direito do consumidor, pelo estreito vínculo mantido com as relações de consumo para impedir que produtos ou atividades nocivas a tais bens sejam colocados no mercado de consumo sem qualquer critério, pondo em risco a propriedade, a segurança, a saúde e até mesmo a vida das pessoas.
O mesmo dizemos a despeito dos princípios da administração pública, por meio dos quais procuramos assegurar que a atividade do Estado atenha-se à finalidade precípua de atender aos interesses sociais, conforme se observa, especialmente, pelo princípio da eficiência, previsto no artigo 37 do texto constitucional, para garantir que os serviços de relevância pública sejam prestados da melhor maneira possível aos consumidores.
Nos termos do citado dispositivo, emergem outras normas constitucionais que impõem ao Poder Público o dever de prestar tais serviços, seja diretamente ou por meio concessão ou permissão (art. 175), e aqueles que poderão ser executados através de terceiros (art. 197), a exemplo da saúde, que também é de livre iniciativa privada (art. 199).
Vale lembrar, ainda, do direito constitucional garantido aos consumidores de serem esclarecidos sobre os impostos que recaem sobre as mercadorias e serviços (art. 150, § 5o), de participar na administração pública, como, por exemplo, na formação de conselhos dos consumidores perante as agências reguladoras (art. 37, § 3o).
Percebemos, pois, o surgimento de um sistema jurídico preocupado em salvaguardar o equilíbrio nas relações de consumo, principalmente depois que a Lei 8.078/90 veio estabelecer os objetivos para a Política Nacional de Relações de Consumo, bem como os princípios para a defesa do consumidor, previstos no art. 4o, I, os quais serão estudados mais adiante.
Fonte: Parte integrante de monografia apresentada por Patricia Mara da Silva e Maria Aparecida Franco Papi no curso de pós-graduação em Direito Administrativo com ênfase em gestão pública, no Centro Universitário de Campo Grande com tema: “Os instrumentos de Defesa do Consumidor e a sua importância na Consolidação do Código de Defesa do Consumidor”. Profª Orientadora Rejane Alves de Arruda



[1] Ibid., p. 155.

[2] ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 53.
[3] BRASIL, op. cit., p. 90.
[4] Ibid, p. 90.
[5] NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Curso de Direito do Consumidor, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 29 e ss.
[6] BRASIL, op. cit., p. 90.

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