segunda-feira, 29 de abril de 2013

PAINEL GERAL SOBRE O HISTÓRICO DA ATUAÇÃO DO MOVIMENTO CONSUMERISTA



Patricia Mara da Silva. Advogada,  professora, pós-graduada em Direito Administrativo com ênfase em gestão pública. Especialista em Direitos Difusos e Coletivos. Coordenadora da Associação Brasileira da Cidadania e do Consumidor do Estado de Mato Grosso do Sul.


Indubitavelmente o berço do movimento dos consumidores foram os Estados Unidos da América (EUA) devido aos aspectos econômicos imperantes naquele país. Importante ressaltar que não se quer dizer que não existiram movimentos em outros países, mas sim que a história consumerista vivida nos EUA influenciou todo o ocidente em matéria de defesa do consumidor.
Quanto à história do movimento de consumidores no Brasil se buscará tratar da criação das principais entidades de defesa do consumidor. Tal estudo será feito humildemente, em concordância com o entendimento do doutrinador Marcelo Soares Sodré que ressalte que este trabalho ainda não foi realizado com muita eficiência e sensibilidade:

         A história do movimento de defesa dos consumidores no Brasil é uma história a ser contada. Com o detalhe e especificidade que era de desejar, tal trabalho não foi ainda realizado. Isto já é significativo no sentido de comprovar a fragilidade teórica com que este assunto tem sido tratado.[1]

Por uma questão metodológica nesta pesquisa não se destacará o movimento consumerista em outros países da América Latina, pois apesar de sua relevância tem bases semelhantes às brasileiras.
Cumpre registrar o esforço do governo brasileiro pela construção de um sistema latino americano de defesa do consumidor conforme se verificou na obra Defesa do Consumidor na América Latina – Atlas Geopolítico.

1.1.1 Movimento de Consumidores nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos da América é que se pode situar as bases do movimento consumerista, nas palavras do doutrinador José Geraldo Brito Filomeno ao comentar o artigo 4° do Código de Proteção e Defesa do Consumidor na obra Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto:

         Não é por acaso, aliás, que o chamado “movimento consumerista”, tal qual nós o conhecemos hoje, nasceu e se desenvolveu a partir da segunda metade do século XIX, nos Estados Unidos, ao mesmo tempo que os movimentos sindicalistas lutavam por melhores condições de trabalho e do poder aquisitivo dos chamados “frigoríficos de Chicago”.[2] 

Em 1872 foi editada a primeira lei norte-americana de proteção ao consumidor, que tinha como finalidade tachar os atos fraudulentos do comércio.[3]
Já em 1890, diante de um clima de agitações sociais por causa do descontentamento do povo americano face à extrema liberdade das corporações, foi editada a lei antitruste, conhecida como Lei Shermann, primeira lei dos Estados Unidos da América de combate ao monopólio de empresas que objetivavam dominar todas as etapas de produção de bens, controlando preços, praticando o truste[4].
Sobre o assunto, destacamos o fato da Lei Shermann ter sido editada exatamente cem anos antes do Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor, como observa o doutrinador Rizzatto Nunes:

         Anote-se essa observação: nos Estados Unidos, que hodiernamente é o país que domina o planeta do ponto de vista do capitalismo contemporâneo, que capitaneia o controle econômico mundial (cujo modelo de controle tem agora o nome de globalização), a proteção ao consumidor havia começado em 1890 com a Lei Shermann, que é a lei antitruste americana. Isto é, exatamente um século antes do nosso CDC, numa sociedade que se construía como sociedade capitalista de massa, já existia uma lei de proteção ao consumidor.[5]

No ano seguinte, 1891, foi criada a primeira entidade civil de que se tem registro, a New York Consumer’s League, que marcou a união entre os interesses dos trabalhadores e consumidores, conforme ensina o doutrinador José Geraldo Brito Filomeno: “Entretanto, embora coevos, os movimento trabalhista e consumerista acabaram por cindir-se, mais precisamente pela criação da Consumer’s League, em 1891[...].”[6]
Vale ressaltar que o movimento consumerista lutou inicialmente por temas específicos de Direitos Humanos, no dizer do doutrinador Hélio Zaghetto Gama, “teve origem nas lutas dos grupos sociais contra as discriminações de raça, sexo, idade e profissões vividas no final do século XIX e no início do século XX.”[7]
Pode-se perceber a clara vinculação entre a luta dos trabalhadores e os direitos dos consumidores, isto porque os representantes dos trabalhadores perceberam que a melhor pressão aos patrões seria aquela que mexesse com os seus lucros.
Sobre estes primeiros movimentos consumeristas sabe-se que organizavam boicotes às empresas que desrespeitavam direitos de trabalhadores e de consumidores, conforme o do Guia de Mobilização para o Consumidor-Cidadão publicado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) em 2006:

         Campanhas e Boicotes são importantes instrumentos de mobilização social, e o movimento consumerista está repleto de exemplos que comprovam sua eficácia. O próprio movimento inicia-se com uma campanha na qual o boicote era um dos elementos. Para protestar contra as más condições de trabalho nos Estados Unidos no fim do século XIX, os consumidores norte-americanos elaboravam listas que continham os nomes das empresas que respeitavam os direitos trabalhistas e pregavam o boicote àquelas que não faziam parte da lista. Deu certo![8]

Já no século XX, a pressão ao mercado norte americano não parou nos sindicatos de trabalhadores, pois as entidades civis e também os próprios Conselhos Profissionais, percebendo a possibilidade de vantagens econômicas, passaram a lutar pela edição de normas e regulamentos pelo Estado, visando o melhoramento dos produtos e serviços.
Destaca-se que visando proteger a concorrência o governo norte-americano criou em 1914 um órgão público para a promoção de defesa da concorrência a Federal Trade Commission.
Após a segunda guerra mundial, a defesa do consumidor se ampliou mais ainda com o surgimento de movimentos ativistas em vários países, conforme o ensinamento de Hélio Zaghetto Gama:

         No pós-guerra de 1945 e 1947, os movimentos de defesa do consumidor espalharam-se pelo Canadá e pela Europa. Organizações ativistas foram criadas na Dinamarca (“Conselho do Consumidor”), na Inglaterra, na Alemanha, na França, na Bélgica e na Áustria. No final da década de 50 organizações foram criadas na Austrália e no Japão.[9] 


O movimento consumerista ganhou forte apelo público na década de 1960 nos Estados Unidos, graças, por exemplo, à atuação do advogado Ralf Nader, que desafiou a indústria automobilística americana ao comprovar que os fabricantes de veículos não se preocupavam com a segurança do consumidor e que preferiam pagar indenizações para os poucos consumidores que ajuizavam ações judiciais. Com isto Ralf provocou a realização do primeiro recall da história. Sobre isto escreveu o especialista em Direito do Consumidor Vitor Vilela Guglinski. in verbis:

Merece especial referência a figura de Ralph Nader, jovem advogado americano responsável pelo primeiro recall de que se tem notícia, e pela quebra do paradigma de indenizações tarifadas no direito norte - americano. A história jurídica dos EUA dá conta de que aquele causídico ajuizou uma ação contra a fabricante de automóveis Ford após um defeito de fabricação em um de seus automóveis, o qual apresentava defeito em seu sistema elétrico, provocando a produção de fagulha num dos fios que conduzia eletricidade ao farol traseiro do veículo, sendo que tal falha se dava próxima ao tanque de combustível do mesmo, provocando sua explosão.

            Após uma família ter sido vitimada pelo evento, culminando com a morte do filho do casal, Ralph Nader ingressa com uma ação indenizatória contra a empresa, sendo, então, auxiliado por um ex - contador da empresa como testemunha no processo, o qual revelou ao Juízo da causa que a fabricante do veículo preferia pagar as indenizações pelos danos causados, inclusive por morte, (raramente ultrapassava US$10.000,00) do que chamar os veículos para reparar o defeito. O êxito na demanda fez com que Nader conseguisse o pagamento de uma indenização milionária à família vitimada, além de uma determinação judicial no sentido de que os veículos defeituosos fossem recolhidos pela Ford para os devidos reparos.[10]

 Em 1965, Ralf Nader publicou o livro Inseguro em Qualquer Velocidade, ocasião em que registrou a despreocupação da indústria automobilística com a segurança dos consumidores.  Com sua atuação impulsionou o congresso americano a editar uma série de leis que envolveram segurança de veículos em 1966.
Em seus sites  http://www.nader.org/ e http://www.votenader.org/, pode-se constatar que Ralf Nader continua sendo um ativista importante para os americanos, tendo inclusive concorrido à Presidência dos Estados Unidos em 1996, 2000, 2004 e 2008, por partidos independentes.
Também no início da década de 1960 foi fundada a entidade Internacional Organization of Consumers Unions (IOCU) que atualmente é conhecida como Consumers International, que tinha como principal objetivo a “internacionalização, sistematização e racionalização dos testes dos produtos” conforme ensina o doutrinador Marcelo Gomes Sodré.[11]
Convém registrar o dia 15 de março de 1962, data do discurso no qual o então Presidente norte-americano John F. Kennedy, enunciou a existência de direitos fundamentais do consumidor. “[...] Posteriormente, esta data do ano foi consagrada como Dia Internacional do Consumidor [...].”[12]. Nesta ocasião foram reconhecidos os direitos do consumidor a segurança, informação, escolha e a ser ouvido. 
Nos dias atuais os consumidores norte americanos continuam se organizando, sendo importante mencionar os vários movimentos de boicote que promoveram mudanças de comportamento em grandes corporações, como por exemplo “Nike” e “Macdonalds”



[1] SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. p. 130.

[2] GRINOVER, Ada Pellegrini (coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto.  p. 62.
[3] SIDOU, J. M. Othon. Proteção ao consumidor. p. 13.
[4] Truste: é a forma de abuso do poder econômico pela qual uma grande empresa domina o mercado e afasta seus concorrentes, ou os obriga a seguir a estratégia econômica que adota. É uma forma impositiva do grande sobre o pequeno empresário. FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo.  p. 788.
[5] NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. p. 2.
[6] FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. p. 24.
[7] GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de Direito do Consumidor. p.2.
[8] IDEC. Guia de Mobilização para o Consumidor-Cidadão. p.10.
[9] GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de Direito do Consumidor. p. 5.

[10] GUGLINSKI. Vitor Vilela. Síntese Histórica do Direito do Consumidor nos EUA, Europa e Brasil. Disponível em : http://jusvi.com/artigos/27728. acesso em 29/12/08. Acesso em: 29 de dezembro de 2008.
[11] SODRÉ, Marcelo Gomes. A construção do Direito do Consumidor. Um Estudo sobre as Origens das Leis Principiológicas de Direito do Consumidor.  p. 24/25.

[12] ESCOLA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Manual de Direito do Consumidor.  p. 15.

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