Patricia Mara da Silva. Advogada, professora, pós-graduada
em Direito Administrativo com ênfase em gestão pública. Especialista em
Direitos Difusos e Coletivos. Coordenadora da Associação Brasileira da
Cidadania e do Consumidor do Estado de Mato Grosso do Sul.
Indubitavelmente o berço
do movimento dos consumidores foram os Estados Unidos da América (EUA) devido aos
aspectos econômicos imperantes naquele país. Importante ressaltar que não se
quer dizer que não existiram movimentos em outros países, mas sim que a
história consumerista vivida nos EUA influenciou todo o ocidente em matéria de
defesa do consumidor.
Quanto à história do
movimento de consumidores no Brasil se buscará tratar da criação das principais
entidades de defesa do consumidor. Tal estudo será feito humildemente, em
concordância com o entendimento do doutrinador Marcelo Soares Sodré que
ressalte que este trabalho ainda não foi realizado com muita eficiência e
sensibilidade:
A história do movimento de defesa dos
consumidores no Brasil é uma história a ser contada. Com o detalhe e
especificidade que era de desejar, tal trabalho não foi ainda realizado. Isto
já é significativo no sentido de comprovar a fragilidade teórica com que este
assunto tem sido tratado.[1]
Por uma questão
metodológica nesta pesquisa não se destacará o movimento consumerista em outros
países da América Latina, pois apesar de sua relevância tem bases semelhantes
às brasileiras.
Cumpre registrar o esforço
do governo brasileiro pela construção de um sistema latino americano de defesa
do consumidor conforme se verificou na obra Defesa
do Consumidor na América Latina – Atlas Geopolítico.
1.1.1
Movimento de Consumidores nos Estados Unidos
Nos Estados Unidos da
América é que se pode situar as bases do movimento consumerista, nas palavras
do doutrinador José Geraldo Brito Filomeno ao comentar o artigo 4° do Código de
Proteção e Defesa do Consumidor na obra Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto:
Não é por acaso, aliás, que o chamado
“movimento consumerista”, tal qual nós o conhecemos hoje, nasceu e se
desenvolveu a partir da segunda metade do século XIX, nos Estados Unidos, ao
mesmo tempo que os movimentos sindicalistas lutavam por melhores condições de
trabalho e do poder aquisitivo dos chamados “frigoríficos de Chicago”.[2]
Em 1872 foi editada a
primeira lei norte-americana de proteção ao consumidor, que tinha como finalidade
tachar os atos fraudulentos do comércio.[3]
Já em 1890, diante de um
clima de agitações sociais por causa do descontentamento do povo americano face
à extrema liberdade das corporações, foi editada a lei antitruste, conhecida
como Lei Shermann, primeira lei dos Estados Unidos da América de combate ao
monopólio de empresas que objetivavam dominar todas as etapas de produção de
bens, controlando preços, praticando o truste[4].
Sobre o assunto, destacamos
o fato da Lei Shermann ter sido editada exatamente cem anos antes do Código Brasileiro
de Proteção e Defesa do Consumidor, como observa o doutrinador Rizzatto Nunes:
Anote-se essa observação: nos Estados Unidos,
que hodiernamente é o país que domina o planeta do ponto de vista do
capitalismo contemporâneo, que capitaneia o controle econômico mundial (cujo
modelo de controle tem agora o nome de globalização), a proteção ao consumidor
havia começado em 1890 com a Lei Shermann, que é a lei antitruste americana.
Isto é, exatamente um século antes do nosso CDC, numa sociedade que se
construía como sociedade capitalista de massa, já existia uma lei de proteção
ao consumidor.[5]
No ano seguinte, 1891, foi
criada a primeira entidade civil de que se tem registro, a New York Consumer’s League, que marcou a união entre os interesses
dos trabalhadores e consumidores, conforme ensina o doutrinador José Geraldo
Brito Filomeno: “Entretanto, embora coevos, os movimento trabalhista e
consumerista acabaram por cindir-se, mais precisamente pela criação da Consumer’s
League, em 1891[...].”[6]
Vale ressaltar que o movimento
consumerista lutou inicialmente por temas específicos de Direitos Humanos, no
dizer do doutrinador Hélio Zaghetto Gama, “teve
origem nas lutas dos grupos sociais contra as discriminações de raça, sexo,
idade e profissões vividas no final do século XIX e no início do século XX.”[7]
Pode-se perceber a clara
vinculação entre a luta dos trabalhadores e os direitos dos consumidores, isto
porque os representantes dos trabalhadores perceberam que a melhor pressão aos
patrões seria aquela que mexesse com os seus lucros.
Sobre estes primeiros
movimentos consumeristas sabe-se que organizavam boicotes às empresas que
desrespeitavam direitos de trabalhadores e de consumidores, conforme o do Guia de Mobilização para o Consumidor-Cidadão
publicado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) em 2006:
Campanhas e Boicotes são importantes
instrumentos de mobilização social, e o movimento consumerista está repleto de
exemplos que comprovam sua eficácia. O próprio movimento inicia-se com uma
campanha na qual o boicote era um dos elementos. Para protestar contra as más
condições de trabalho nos Estados Unidos no fim do século XIX, os consumidores
norte-americanos elaboravam listas que continham os nomes das empresas que
respeitavam os direitos trabalhistas e pregavam o boicote àquelas que não
faziam parte da lista. Deu certo![8]
Já no século XX, a pressão
ao mercado norte americano não parou nos sindicatos de trabalhadores, pois as
entidades civis e também os próprios Conselhos Profissionais, percebendo a
possibilidade de vantagens econômicas, passaram a lutar pela edição de normas e
regulamentos pelo Estado, visando o melhoramento dos produtos e serviços.
Destaca-se que visando
proteger a concorrência o governo norte-americano criou em 1914 um órgão
público para a promoção de defesa da concorrência a Federal Trade Commission.
Após a segunda guerra
mundial, a defesa do consumidor se ampliou mais ainda com o surgimento de
movimentos ativistas em vários países, conforme o ensinamento de Hélio Zaghetto
Gama:
No pós-guerra de 1945 e 1947, os movimentos
de defesa do consumidor espalharam-se pelo Canadá e pela Europa. Organizações
ativistas foram criadas na Dinamarca (“Conselho do Consumidor”), na Inglaterra,
na Alemanha, na França, na Bélgica e na Áustria. No final da década de 50 organizações
foram criadas na Austrália e no Japão.[9]
O movimento consumerista
ganhou forte apelo público na década de 1960 nos Estados Unidos, graças, por
exemplo, à atuação do advogado Ralf Nader,
que desafiou a indústria automobilística americana ao comprovar que os
fabricantes de veículos não se preocupavam com a segurança do consumidor e que
preferiam pagar indenizações para os poucos consumidores que ajuizavam ações
judiciais. Com isto Ralf provocou a
realização do primeiro recall da
história. Sobre isto escreveu o especialista em Direito do Consumidor Vitor
Vilela Guglinski. in verbis:
Merece
especial referência a figura de Ralph Nader, jovem advogado americano
responsável pelo primeiro recall de que se tem notícia, e pela quebra do
paradigma de indenizações tarifadas no direito norte - americano. A história
jurídica dos EUA dá conta de que aquele causídico ajuizou uma ação contra a
fabricante de automóveis Ford após um defeito de fabricação em um de seus
automóveis, o qual apresentava defeito em seu sistema elétrico, provocando a
produção de fagulha num dos fios que conduzia eletricidade ao farol traseiro do
veículo, sendo que tal falha se dava próxima ao tanque de combustível do mesmo,
provocando sua explosão.
Após uma família ter sido vitimada pelo evento, culminando com a morte do filho do casal, Ralph Nader ingressa com uma ação indenizatória contra a empresa, sendo, então, auxiliado por um ex - contador da empresa como testemunha no processo, o qual revelou ao Juízo da causa que a fabricante do veículo preferia pagar as indenizações pelos danos causados, inclusive por morte, (raramente ultrapassava US$10.000,00) do que chamar os veículos para reparar o defeito. O êxito na demanda fez com que Nader conseguisse o pagamento de uma indenização milionária à família vitimada, além de uma determinação judicial no sentido de que os veículos defeituosos fossem recolhidos pela Ford para os devidos reparos.[10]
Em 1965, Ralf
Nader publicou o livro Inseguro em
Qualquer Velocidade, ocasião em que registrou a despreocupação da indústria
automobilística com a segurança dos consumidores. Com sua atuação impulsionou o congresso
americano a editar uma série de leis que envolveram segurança de veículos em
1966.
Em seus sites http://www.nader.org/
e http://www.votenader.org/, pode-se
constatar que Ralf Nader continua
sendo um ativista importante para os americanos, tendo inclusive concorrido à
Presidência dos Estados Unidos em 1996, 2000, 2004 e 2008, por partidos
independentes.
Também no início da década de 1960 foi
fundada a entidade Internacional
Organization of Consumers Unions (IOCU) que atualmente é conhecida como Consumers International, que tinha como
principal objetivo a “internacionalização, sistematização e racionalização dos
testes dos produtos” conforme ensina o doutrinador Marcelo Gomes Sodré.[11]
Convém registrar o dia 15 de março de
1962, data do discurso no qual o então Presidente norte-americano John F. Kennedy, enunciou a existência
de direitos fundamentais do consumidor. “[...] Posteriormente, esta data do ano
foi consagrada como Dia Internacional do Consumidor [...].”[12].
Nesta ocasião foram reconhecidos os direitos do consumidor a segurança,
informação, escolha e a ser ouvido.
Nos dias atuais os consumidores norte
americanos continuam se organizando, sendo importante mencionar os vários
movimentos de boicote que promoveram mudanças de comportamento em grandes
corporações, como por exemplo “Nike”
e “Macdonalds”.
[1] SODRÉ,
Marcelo Gomes. Formação do Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor. p. 130.
[2] GRINOVER, Ada Pellegrini (coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. p. 62.
[3] SIDOU, J. M. Othon. Proteção ao consumidor. p. 13.
[4] Truste:
é a forma de abuso do poder econômico pela qual uma grande empresa domina o
mercado e afasta seus concorrentes, ou os obriga a seguir a estratégia
econômica que adota. É uma forma impositiva do grande sobre o pequeno
empresário. FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. p. 788.
[5] NUNES,
Luiz Antônio Rizzato. Curso de direito do
consumidor. p. 2.
[6] FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. p. 24.
[7]
GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de Direito do
Consumidor. p.2.
[9]
GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de Direito do
Consumidor. p. 5.
[10]
GUGLINSKI. Vitor Vilela. Síntese
Histórica do Direito do Consumidor nos EUA, Europa e Brasil. Disponível em
: http://jusvi.com/artigos/27728. acesso
em 29/12/08. Acesso em: 29 de dezembro de 2008.
[11] SODRÉ,
Marcelo Gomes. A construção do Direito do
Consumidor. Um Estudo sobre as Origens das Leis Principiológicas de Direito do
Consumidor. p. 24/25.
[12]
ESCOLA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Manual
de Direito do Consumidor. p. 15.
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